Direitos humanos
Marcas de moda ensinam trabalhadores a lavar as mãos e pouco mais, lamentam os críticos
O objectivo da Iniciativa Comércio Ético é promover os direitos dos trabalhadores indianos.
O objectivo era melhorar as condições para as dezenas de milhares de trabalhadoras da indústria do vestuário na Índia, que cosem tudo desde calças a casacos das marcas líderes mundiais no segmento de moda. Mas o plano tinha falhas, indicam os críticos.
A Iniciativa Comércio Ético (ICE) esperava obter acesso a fábricas altamente restritas no centro têxtil de Tamil Nadu com o programa de “sensibilização de higiene” e aproveitando o mesmo como plataforma para promover os direitos do trabalhador. Cinco anos e mais de 540 mil euros depois, a ICE, que junta sindicatos, donos de fábricas e grupos da sociedade civil de marcas como H&M, GAP e Burberry, tem feito pouco mais do que ensinar a lavar as mãos, dizem activistas.
Os sindicatos de comércio e as organizações defensoras dos direitos dos trabalhadores, alguns parceiros na iniciativa, afirmam que as suas limitações mostram que as grandes lojas apenas defendem verbalmente os direitos dos trabalhadores da indústria do vestuário.
“É como gestão de imagem. As marcas estão a usar a plataforma da ICE para se proteger”, diz Mambi Chelliah do grupo não lucrativo Centre for Social Education and Development que participou nas primeiras reuniões da ICE.
Os representantes indicam que os trabalhadores das fábricas têxteis ainda não beneficiaram de contratos com salários justos e que um local de trabalho sem abusos ainda é, para a maioria, apenas uma ilusão. “A ICE ainda não foi capaz de obter benefícios para os trabalhadores das marcas nem das fábricas, ambos membros da aliança”, diz um oficial do sindicato do comércio que pediu o anonimato.
Contudo, a ICE nega as acusações e diz que têm sido feitos progressos em Tamil Nadu através de programas comunitários e de grupos de mediação em fábricas que debatem direitos para além de higiene.
“Esta é a única iniciativa de grande escala que trabalha nas fábricas de forma a abordar tais questões e de criar confiança de todas as partes envolvidas. Estamos a mostrar que estes programas podem beneficiar todos”, diz Alok Singh, director da ICE da Ásia do Sul.
A suspeita
Desde 1998 que a ICE tem estado a trabalhar em questões como trabalho infantil e direitos dos trabalhadores em países como África do Sul, Tailândia e Peru. No entanto, só em 2012 é que se focou nos trabalhadores da indústria têxtil da Índia em Tamil Nadu.
A região, também chamada de “Vale Têxtil da Índia”, fornece vários retalhistas europeus e americanos e conta com 400 mil mulheres que trabalham em cerca de duas mil fábricas.
O sector dos têxteis e vestuário que vale quase 35 mil milhões de euros é o pilar da economia da Índia e as tentativas de melhorar as condições dos trabalhadores são recebidas com desconfiança pelas autoridades, pelos políticos e pela administração, que as vêem como uma ameaça a esta indústria em crescimento.
“Temos de ter em mente que quando o programa começou não havia qualquer desejo de transparência por parte das próprias fábricas”, diz Singh.
O programa Nalam, que significa “bem-estar” em tâmil, aparentemente serviu para ensinar raparigas adolescentes e mulheres sobre higiene e saneamento e foi implementado em mais de 30 fábricas.
Armados com folhetos, a equipa da ICE infiltrou-se nas instalações onde os funcionários moram e trabalham e foram perguntando às mulheres a frequência com que lavavam os dentes, as mãos e quanto gastavam em pensos higiénicos.
Foram colocados cartazes perto das casas-de-banho a demonstrar a forma correcta de lavar as mãos e foi dito às adolescentes para comerem mais frutas e verduras. Também lhes foi ensinado como lidar com dores menstruais com uma dieta adequada e medicação. “A iniciativa contribuiu ainda para uma mudança nos administradores das fábricas, que comprovaram os benefícios de tratar os trabalhadores bem e de permitir que estes sejam instruídos dos seus direitos”, diz Singh.
As falhas
Mas outros vêem as coisas de uma perspectiva diferente. “A liberdade de associação faz parte do código [da ICE], tal como assegurar salários justos e que ninguém é explorado. Como é que os trabalhadores vão comer mais frutas se não têm como as comprar?”, diz o membro do sindicato que não quis ser identificado.
Os activistas e as organizações defensoras dos direitos dos trabalhadores dizem que a ICE não foi capaz de conseguir que as marcas divulgassem informações sobre as cadeias de abastecimento, desde o algodão apanhado nos campos aos botões cosidos nas roupas, que é crucial para acabar com a exploração dos trabalhadores.
“Se houvesse mais transparência quanto às cadeias de abastecimento, seria possível as organizações mundiais de defesa dos direitos humanos aumentarem a pressão às empresas para que estas assegurassem os direitos de trabalho”, diz Tim Connor, docente na Faculdade de Direito de Newcastle, na Austrália e co-autor de um relatório de 2016 sobre a eficiência da ICE.
Contudo, Singh afirma que a transparência iria aumentar com o progresso da iniciativa. “Avançando cinco anos, esperamos ter acesso a informações mais detalhadas das marcas participantes sobre as cadeias de abastecimento.”