Na ponta da língua
Para felicitar a vinda do Outono o melhor é aprender a aperfeiçoar o cocktail mais outonal que há: o Manhattan
Todos os anos, como consolação da chegada do Outono, faço o primeiro Manhattan do ano.
Existe a ideia errada que se trata de um cocktail fácil de fazer. São duas medidas de straight rye whiskey, uma medida de vermute rosso italiano e dois golpes de Angostura Bitters. Mexe-se num copo de mistura cheio de gelo e, quando estiver frio, coa-se para um copo de Martini ou um coupé. Serve-se com uma cereja marascada ou uma casca de laranja torcida.
Eis a teoria. A prática é mais complicada — e muito mais recompensadora. O perigo de um Manhattan é a doçura excessiva. Sendo americanos, os autores do cocktail gostam de Manhattans doces. Alguns acrescentam xaropes e tudo. Uma maioria faz com bourbon em vez de rye.
O rye é whiskey de centeio. Enquanto os whiskies de milho (os bourbons) são adocicados, os de centeio são mais secos e apimentados. O facto de todos os whiskies americanos serem envelhecidos em cascos de carvalho novo acabados de chamuscar faz com que todos tenham um sabor de baunilha muito pronunciado.
Se nunca provou um Manhattan com rye ficará espantado. Foi assim que foi inventado é assim que vale a pena reinventá-lo. No século XX era difícil encontrar whiskies de rye mas hoje estão na moda e a preocupação é não gastar dinheiro num dos muitos ryes que são feitos pela MGP e depois vendidos com outros nomes, caso da Bulleit e da George Dickel. Estes dois últimos têm a vantagem de não serem muito caros em Portugal.
A MGP faz dois ryes — um de 51% centeio e outro de 95% centeio. O segundo é o único que fica bem num Manhattan. Tanto o Bulleit como o George Dickel são 95%. O de 51% é 49% milho.
Com qualquer whiskey americano é preciso sempre saber a composição. Se gosta mais de bourbon no seu Manhattan pode escolher um bourbon (como o Woodford Reserve) que, não obstante a predominância do milho, tenha uma percentagem elevada de centeio.
É preciso um cuidado especial com os whiskies canadianos. Têm fama de ter muito centeio mas isso já não é verdade há muitas décadas. Regra geral os whiskies canadianos são ainda mais doces — e menos genuínos — do que os dos EUA. Há, no entanto, um espantoso Canadian Club, muito difícil de encontrar, que é 100% rye.
O rye mais barato é o Old Overholt. Faz um Manhattan farrusco mas aceitável. No escalão seguinte, por menos de 30 euros, estão o Jim Beam Rye (assim-assim) e o Wild Turkey Rye (melhor).
Finalmente é preciso cuidado com as graduações alcóolicas. Os ryes tendem a ser mais de 40 graus e por isso é preciso fazer ajustes para o Manhattan não ficar muito whisquiado.
Passemos aos vermutes. Felizmente tem havido uma explosão de vermutes, permitindo infinitas variações em Manhattans e noutros infinitos cocktails. A Internet e os livros estão cheios de versões diferentes. A partir do Manhattan podem improvisar-se centenas de receitas alternativas.
Não é preciso cair na asneira de dizer que há um Manhattan clássico. O “clássico” só é usado por quem faz variações, para identificar o verdadeiro Manhattan. Há, por exemplo, várias receitas “clássicas” de variantes do Manhattan, como o Perfect Manhattan.
Escolha o vermute tinto e doce que preferir. O Martini Rosso é o mais barato que calha bem. O Carpano Antica Formula fica a matar. Qual é o grande problema do vermute? É a oxidação. Para fazer um bom Manhattan o vermute tem de ser fresco. Uma vez aberta a garrafa começa a deteriorar-se.
A solução é distribuir uma garrafa de vermute por garrafinhas muito pequenas, enchendo-as até entornarem, para que não fique oxigénio na garrafa. Enrosque-as bem enroscadas e use uma dessas garrafinhas cada vez que precisar de vermute.
Finalmente a guarnição. Aqui depende de si outra vez. Uma cereja marascada fica bem mas é preciso fazê-las em casa ou usar apenas as da Luxardo que são caríssimas e só têm 50% de cerejas Marasca. As cerejas de “cocktail” doutras marcas são horrendas e artificiais. Uma solução aceitável é usar uma ginja de um bom licor de ginja.
A cereja também adoça e altera. Eu prefiro uma casca de laranja. A laranja tem de ser fresca, saborosa e inteira. Senão é um desastre. E um Manhattan tem de ser um triunfo.