Na ponta da língua
O Daiquiri perfeito é aquele que for perfeito para si: mais ninguém pode saber
Os cocktails parecem fáceis mas são difíceis de fazer. Não se ganha nada a ver um mixologista profissional a fazê-los. Por regra, ela ou ele não têm tempo para fazer um cocktail como deve ser feito, que é a partir do zero, com o máximo cuidado.
Fazê-los em casa é melhor. Tem-se liberdade, tempo e paciência. Ao fim de três ou quatro tentativas já é possível afinar uma receita ao nosso gosto.
O Daiquiri — que se pronuncia “dácri” — é um cocktail delicioso mas dificílimo que parece ser muito fácil. Só leva rum, sumo de lima e açúcar. É basicamente uma caipirinha ou um grogue. O açúcar serve para tirar o amargo da lima. Mas quanto açúcar é que se põe?
As proporções variam conforme o autor. O grande mestre Dale DeGroff, por exemplo, sugere uma medida de xarope de açúcar para 1,5 medidas de rum e 3/4 medidas de sumo de lima. No outro extremo há receitas contemporâneas que aconselham usar só 1/4 medida de xarope. Sim, é quatro vezes menos. Use ambos os extremos como marcadores e descubra as proporções que lhe dão maior prazer.
Os primeiros daiquiris foram agitados num frasco vazio. Aqui em Portugal os melhores frascos são aqueles em que são vendidos, por cerca de 50 cêntimos, feijão e grão cozidos. Enche-se de gelo, deitam-se para lá os ingredientes e agita-se entusiasticamente durante 30 segundos.
Parece que não tem nada que saber. Mas tem. Eu fiz os meus primeiros daiquiris em 1969, seguindo uma receita profissional — e ainda não estou satisfeito porque, apesar das milhares de tentativas, ainda não cheguei à qualidade dos dois melhores daiquiri que já bebi, feitos por profissionais, à minha frente, com rum Bacardi.
Pense-se nos ingredientes. Para já, é o gelo. O gelo tem de ser bom, feito de água boa. Não pode ter sabor nem cheiro nenhum. É trabalhoso fazer bom gelo. Faz-se bem em casa (o das estações de serviço é horrendo) mas requer imensos cuidados. O gelo representa uma percentagem importante da bebida final. Por muito bons que sejam os outros ingredientes, o sabor a cloro (ou a congelador) do gelo é a melhor maneira de estragar tudo. Fica para outra ocasião.
Agora pense-se no açúcar. Os profissionais, por uma questão de pressa, têm os xaropes de açúcar já prontos. Nos livros que escrevem aconselham sempre que se usem xaropes — mas é uma racionalização de um mau comportamento. Para evitar que o xarope ganhe micróbios e fermente, muitos profissionais acrescentam um golpe de vodka. Se vai especializar-se em daiquiris, e quer que o xarope dure para aí uma semana, sugiro que utilize um rum de 40 graus.
É possível gastar uma pequena fortuna num simples xarope de açúcar. Uma garrafa de xarope da Monin (“pur sucre de canne”) custa 15 euros. Recomendo comprar-se a primeira, para tirar teimas e, sobretudo, para ficar com a garrafa vazia, ideal para guardar o xarope que fizer.
O melhor xarope é feito com água fria na proporção fifty-fifty. O açúcar derrete mais depressa quanto mais quente estiver a água mas a qualidade também decresce. Experimente e averigue. Quanto mais quente estiver a água mais anódino fica o xarope.
Experimente com água da torneira e depois com uma água mineral muito pouco mineralizada, como Luso, Fastio, Caramulo, Serra da Estrela ou Evian. Usando pouca água e pouco açúcar as experiências sairão muito baratas — mas estará a construir uma das bases fundamentais para cocktails.
Antigamente, os xaropes de açúcar tinham o dobro de açúcar. Prefira sempre usar o peso como medida e não o volume, que pode enganar. Mas também não faz uma diferença apreciável. Experimente fazer um xarope old school, com duas medidas de açúcar para uma medida de água. Pode ser que prefira. É essa a liberdade: é total.
Experimente tipos diferentes de açúcar, desde o melaço e o mascavado ao demerara e ao amarelo falso e verdadeiro. Estabeleça, finalmente, qual é a sua versão dum xarope de açúcar. Será importantíssimo na constituição do seu daiquiri.
Dito isto, os daiquiris exímios que eu bebi foram feitos com açúcar de cana do mais refinado e banal. Ambos foram feitos com um rum igualmente desinteressante: o Bacardi transparente. E um deles foi feito com sumo de limão e não de lima, nesses tempos vetustos em que ainda não havia limas em Portugal.
O Bacardi de hoje é pior ainda (e só tem 37,5 graus, para confundir as receitas) mas não há dúvida que dá para fazer um daiquiri decente. O Havana Club também é fraco mas é melhor. Usar um rum bom, claro está, melhora muito o daiquiri. Também é boa ideia misturar runs mais novos com runs mais velhos.
Se o daiquiri ficar muito amargo, ponha mais açúcar. Se ficar muito doce, menos açúcar. Ou corrija com o sumo. Ou corrija com o rum. Mas mude só um ingrediente de cada vez, para saber o que resultou ou não.
Bons daiquiris!