Belas passagens da literatura com emoticons

Foram descobertos mais escritos na arca de Fernando Pessoa. Desta feita com emoticons. Pessoa era realmente um génio. Já usava emoticons num tempo em que não havia computadores pessoais, nem sequer emoticons.

Se havia eram um ou dois rabiscos primitivos. Mas Pessoa já usava emoticons do Gmail e afins. Os textos não são inéditos, mas é inédita esta versão dos mesmos. Muitos são excertos do Livro do Desassossego, do heterónimo Bernardo Soares, dos quais deixo alguns exemplos:

"Vejo-o [o patrão Vasques] Ver, vejo os seus gestos de vagar enérgico vagar enérgico, os seus olhos a pensar para dentro coisas de fora pensar para dentro coisas de fora, recebo a perturbação da sua ocasião em que lhe não agrado não agrado, e a minha alma alegra-se com o seu sorriso o seu sorriso, um sorriso amplo e humano , como o aplauso de uma multidão aplauso de uma multidão."

"Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida . A Vida, monótona e necessária monótona e necessária, mandante e desconhecida monótona e necessária. Este homem banal representa a banalidade da Vida . Ele é tudo para mim , por fora , porque a Vida é tudo para mim por fora ."

"Tudo me interessa e nada me prende . Atendo a tudo sonhando sempre ; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo , recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos ; mas ao ouvi-lo , não o escuto , estou pensando noutra coisa , e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse , da minha parte ou da parte de com quem falei . Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti . E, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu ; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas , o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra , ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito . Sou dois , e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados ."

Mas se Pessoa era genial, Augusto Gil ainda era mais. Pelo menos na escrita com bonecos. Porque, ainda antes de Fernando Pessoa começar a apurar os seus textos com bonecos, já Augusto Gil tinha esta versão da célebre "Balada da Neve":

Balada da Neve
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver . A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!