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A sesta, esse fenómeno de vanguarda

A sesta está na moda. Que o digam a Google, a Apple e outras empresas armadas em sofisticadas, que arranjaram cápsulas-cama para os funcionários dormitarem. Mas não só. Já várias empresas perceberam no mundo – mesmo em países sem grande tradição de sesta – que a bem da exploração da classe operária há que pôr os trabalhadores a dormir.

Não é difícil perceber porquê, a sesta tem algo de poderoso, de mágico. Só quem nunca dormiu uma bela soneca é que não percebe. É daqueles fenómenos que ainda provoca o meu mais sincero embasbacamento. Porque mesmo uma pequena cochiladela é capaz de refrescar a mente e o corpo de forma milagrosa. Quase como carregar no botão “refresh”. Numa escala mais reduzida, é uma espécie de poção de Astérix, porque se fica de repente com uma energia que não se sabe de onde vem.

Está provado e mais que provado que mesmo cinco minutos de sesta podem fazer maravilhas por uma pessoa. Por investigações de universidades conhecidas e menos conhecidas. Ou até da NASA. E ninguém se atreve a questionar a NASA, porque isto é gente que atira com pessoas para o espaço e elas regressam – pelo menos na maioria dos casos. Aliás, o slogan deles devia ser: “NASA, somos um excelente bumerangue de pessoas.” Conclui-se que a sesta aumenta a capacidade de aprendizagem, a criatividade, a produtividade ou mesmo a capacidade de ir à discoteca.

Não percebo porque é que em Portugal, país com tradição neste departamento, ainda se olha com desdém ou condescendência para esta prática. Eu já por várias vezes sofri violentos ataques de soneira em pleno dia e se não fosse a sesta não teria sobrevivido. Há alturas em que não tenho outra solução, senão accionar a soneca de emergência. Seja na estrada, no trabalho ou no cinema. Neste último caso, ferrar no sono uns minutos é a única alternativa a ver um filme inteiro em regime de zombie, num misto de vultos e ecos assustadores, como se estivesse com alucinações.

E se fazer uma pausa na estrada é compreendido e mais do que recomendado, no trabalho isso ainda não acontece. Porquê? Cabecear ao volante é perigoso, mas cabecear no local de trabalho não é menos. Além dos acidentes laborais, podem ocorrer graves desastres de produtividade. De que é que os sindicatos estão à espera para defender este direito do trabalhador? E os patrões para implementá-lo? Já vai sendo hora de ouvir nas notícias: “A CGTP e a UGT reuniram-se esta tarde com as confederações patronais para acertar os termos de uma sestinha de dez minutos.”

Urge abraçar de vez este hábito em Portugal. A cafeína está sobrevalorizada na nossa sociedade. O problema é que dormir não parece ter muito glamour. Se calhar, para algumas pessoas, devia-se vender a ideia da sesta como um estimulante ou mesmo uma droga. E talvez assim as pessoas “dessem” mais na sesta. “Vou só ali dar na sesta. Não digas a ninguém.” “E se te apanham?” “Eu sei, mas ouve, isto dá-te uma pica...” Não se pode é abusar, como é natural, deste tipo de coisas ilícitas, porque pode dar ressaca. Não ultrapasse a meia hora de consumo, a não ser que seja um profissional experimentado da soneca ou tenha um lado suicida.

Não sei se a culpa do actual descrédito da sesta é da Revolução Industrial ou da fábula da Lebre e da Tartaruga, em que a primeira se trama por bater uma sorna. Pouco importa. O que importa é que não pode continuar assim. Caros patrões, cépticos e detractores da sesta em geral, se é o capitalismo de vanguarda ou a NASA que vos convence, não sei. Mas espero que algo vos convença. Porque quando a NASA e os alentejanos estão de acordo é sinal que algo de importante se passa. Se calhar até deviam emitir um comunicado conjunto – “Comunicado da NASA e dos alentejanos: Pessoas, durmam a sesta. Desde que não se ultrapassem os 20 minutos, meia hora, está tudo bem. Diz que até pode trazer vantagens nos negócios e nas idas à discoteca.”