Fernando Veludo/NFactos

O apocalipse do espermatozóide

Por vezes, estou calmamente sentado a ler o jornal e lá vem alguém simpaticamente relembrar-me que estou a perder espermatozóides aos milhões. Os títulos das notícias são qualquer coisa como “Homens sedentários perdem cerca de metade dos espermatozóides”, ou “Contagem de espermatozóides diminui um terço em 20 anos”, ou mesmo “Espermatozóides em vias de extinção?” Até parece que estamos perante o apocalipse do espermatozóide.

Quero agradecer desde já aos jornalistas que, com grande desvelo, me informam sobre as últimas na área do esperma. Mas tenho de confessar que não sinto uma necessidade premente de saber como vai o mercado bolsista do espermatozóide: se está a subir, se está a descer... E mesmo que se verifique o dito crash espermatozóide, quer-me parecer, pelo que vou percebendo, que ainda não será um drama de gigantescas proporções. Senão por esta altura já havia anúncios publicitários com o slogan: “Coma não-sei-o-quê. Porque o seu esperma merece.”

Acho que não vou desatar a fazer exercício físico de hoje para amanhã por pensar: “Estou a precisar urgentemente de produzir espermatozóides.” No entanto, não se preocupem, caros jornalistas, que já estou bastante sensibilizado para a causa do espermatozóide. E para as múltiplas razões do seu declínio. Desde o problema do sedentarismo às radiações do telemóvel, passando pelos pesticidas na maçã ou no alho-porro. De tal maneira, que às vezes quase tenho medo de me sentar no sofá, a comer fruta, com o telemóvel no bolso, porque sinto que estou a exterminar espermatozóides às pazadas.

Graças aos vossos encantadores escritos já estou inclusive desperto para o problema da poluição atmosférica que, segundo um artigo que li, nos devia fazer pensar duas vezes antes de mudarmos do campo para a cidade, dado o impacto dos maus ares no espermatocoiso. Quem sabe se no futuro não veremos alguém a dizer: “Ofereceram-me um excelente emprego em Lisboa, mas tenho de pensar muito bem, porque vou perder muitos espermatozóides.”

Tudo parece provocar a diminuição do espermatozóide, possivelmente até brincar com Legos. O meu grande receio é que, se insistirem muito nessas notícias, eu não consiga sentar-me a trabalhar sem pensar: “Quantos espermatozóides matarei hoje?” E que comece a desenvolver uma preocupação obsessiva que me transforme numa espécie de Coelho da Alice, sempre a repetir: “Estou a perder espermatozóides! Estou a perder espermatozóides! Estou a perder espermatozóides!” Ainda vou parar ao consultório do psicoterapeuta para tentar lidar com os meus sentimentos de culpa em relação ao esperma.

Por isso, é a bem da minha sanidade mental que vos dirijo um apelo. Se por acaso vos ocorrer candidamente “Deixa-me cá escrever uma notícia sobre o ocaso do espermatozóide!”, pensem que não é bem um tema ligeiro, algo que dispõe bem, é uma notícia de terror. Devia aliás estar nessa secção, se ela existisse. Talvez seja a oportunidade de formarem o caderno “Terror” ao lado da “Política” e da “Economia”. E depois talvez possamos discutir civilizadamente as notícias desta secção: “Já leste o caderno de Terror? Traz uma peça muito interessante sobre a influência dos pesticidas da abóbora-porqueira na redução de espermatozóides.”

Na impossibilidade de criar tal caderno, preferia que só me avisassem sobre o declínio em questão quando for considerado comprovadamente catastrófico pelos mais reputados cientistas do esperma. Quando o pobre do espermatozóide já estiver oficialmente com o estatuto de “ameaçado”, como o panda-gigante ou o rinoceronte de Java. Até lá, não levem a mal, mas acho que prefiro saber os resultados da 3.ª divisão de futsal série Açores.