Vida em grande estilo
Deus devia ser a revista TeleNovelas
Há quem diga que a morte é uma chatice e eu concordo. E é uma chatice porque deixamos de estar com as pessoas de quem gostamos e blá, blá, blá, mas sobretudo porque nunca saberemos o que se vai passar a seguir neste mundo. Irrita-me pensar que andei aqui literalmente a vida toda a inteirar-me de coisas, para depois não ver respondidas umas quantas questões que me intrigam. Será que algum dia vão inventar um pão de forma decente? O que matou afinal os dinossauros, um meteorito ou problemas de crescimento? E onde foi parar aquela caneta de que eu gostava tanto, atrás do sofá?
Se morrer, nunca saberei. Acho que só por isso já se justificava existir um Céu, um Inferno ou uma treta qualquer; um pardieiro na estratosfera, não interessa, em que pudesse fazer todas as perguntas a Deus que me apetecesse. O Deus ideal para mim é a revista TeleNovelas da eternidade: sabe tudo o que se vai passar nos próximos episódios. “Senhor, diz-me, no ano 10.000 ainda vai existir pasta medicinal Couto?” “Sim.” “Eu sabia.”
Em alternativa, Deus também pode ser o “Sabichão”, do jogo da Majora. Sim, porque eu sou uma pessoa magnânima e dou alternativas a Deus. Há quem imagine o Todo-Poderoso – tal como o nome indica –, como um ser imponente, eu imagino-o com uma vara de metal e fato palerma, a rodar num espelho magnético. Já que Ele se diz omnisciente, então que o prove. Nem que seja a rodopiar feito parvo até ao fim dos tempos.
E se o Céu for assim, com todas as respostas ao nosso alcance, a extrema-unção está a ser mal aplicada. Porque o senhor padre podia oferecer outro alívio à pessoa moribunda dizendo: “Saiba tudo já a seguir a um curto intervalo!” É sabido como as pessoas não resistem a ouvir as últimas. Senão não éramos constantemente bombardeados de notícias por todos os lados, pela televisão, pela Internet, pelo nariz, pela boca, pelos poros dos sovacos.
Uma coisa é certa, isto de a pessoa se desligar completamente do mundo é de uma certa dureza. Deve ser por isso que alguns optam pela estratégia da amargura no fim da vida, que é para romperem mais facilmente laços. Mal vêem a notícia “greve dos lixeiros”, disparam “Eu não disse? Este mundo é um esterco! Não estou cá a fazer nada!”
Eu sou da opinião que todas as pessoas deviam morrer numa espécie de fim de capítulo, que desse um fim digno à sua história de vida. Para quem sofreu uma vida inteira com a Cortina de Ferro, por exemplo, a queda do Muro de Berlim deve ter sido um belo fim de história. Digno de se pensar: “Agora já posso morrer.” Ou então quando acabaram com a moda de usar Crocs em todo o lado.
Devia haver um jornal forjado, que tivesse estampada na manchete a notícia que as pessoas querem ouvir na hora da sua morte, tendo em conta aquilo por que passaram ou por que lutaram: “Olha, pai, Olivença é nossa! Diz aqui no DN!” Senão teremos de continuar a morrer em dias altamente estimulantes, como: “Revelações de Machete provocam tensão entre ministros.”