Vida em grande estilo
Privação de asneiras na parentalidade
O pior dia da minha vida parental foi quando me disseram: “Vais ter de parar de dizer asneiras.”
Porque, desde que tenho filhos, ainda me apetece dizer mais asneiras. A quantidade de asneiras que me apetece dizer aumentou na mesma proporção de filhos que fui tendo. Tenho dois. Se tivesse um rancho deles possivelmente transformava-me numa peixeira do Bolhão.
E depois esclareceram-me: “Podes dizer asneiras. Só não podes dizer à frente dos teus filhos.” Pois se é precisamente à frente deles que me apetece dizer! Se me partem a televisão; se chego à sala e a vejo de tal maneira desarrumada, que era preferível ser assaltado por um bando de ladrões com Parkinson; se me testam a resistência a limites que só julgava possíveis no K2 dos Himalaias; querem que faça o quê?
Já sofro de privação de sono, de tempo e de vida própria à conta das criancinhas e nem uma porcaria de uma asneira decente posso dizer em troca? O que é que querem mais de mim? O que é que querem, estas criaturas do demo?! Sinto-me torturado, violentado, esmagado. Os palavrões são o meu último reduto de sanidade mental e até isso tenho de reprimir. Deve ter sido isso que transformou o Jack num estripador, o facto de ter de reprimir os palavrões em família. Senão teria sido simplesmente Jack, o Estucador ou coisa que o valha, um vulgar e pacífico cidadão. Não tarda vou compor uma versão da música da Ágata: “Podem ficar-me com o tempo, o dinheiro, a possibilidade de vida própria, mas não me fiquem com as asneiras! E tudo o mais que desejem, mas não me fiquem com as asneiras!”
Há quem me aconselhe: “Usa asneiras mais leves ou substitutos de asneiras.” Mas nunca fui de dizer “ora, abóbora”, por isso não é agora que vou começar. A verdade é que até uso algumas asneiras mais leves, mas é muito difícil suportar a dureza da vida só com “canecos” e “poças”.
E o pior é que nem sequer gosto de ouvir o meu filho dizer “poça”. No outro dia, ele estava frustrado com o carrinho dele e disse “poça!” com tal veemência que eu fiquei chocado. Longe vão os tempos românticos em que sonhava ensinar-lhe asneira da grossa, antes que um badameco qualquer da escola me retirasse esse privilégio. Mas constato que com 4 anos é muito novo, mesmo para palavrões de calibre médio. Conclusão: sobra-me muito pouco ou nada.
Estou num beco sem saída. Quando mais preciso dos palavrões é que eles não estão lá para me ajudar. E onde estão os pediatras, os pedagogos e o raio que o parta quando precisamos deles? São capazes de discorrer meia hora sobre os benefícios do abacate para os catraios e nem uma palavra sobre o que realmente interessa. Não há sequer um livro de auto-ajuda intitulado “Como lidar com a privação de asneiras na parentalidade.” Então e aquela história de um pai feliz ser meio caminho andado para uma criança feliz, onde está?
Para compensar a repressão doméstica, proponho que os pais de filhos pequenos estejam autorizados a dizer asneiras na via pública, desde que devidamente identificados. Se por acaso um pai ou uma mãe perderem o metro ou o autocarro podem largar um “foda-se!” sem mais explicações. E se alguém se indignar basta que o visado puxe de um documento comprovativo de parentalidade.
Chego à conclusão que abdicar de dizer palavrões é a maior prova de amor que um pai pode dar a um filho. Mas acho que não estou para isso. Se calhar vou comprar uma daquelas buzinas do desporto, que fazem FUOOOOOOOOOOOOOONN! Ando sempre com ela em casa e quando me apetecer asneirar em frente aos meus filhos toco a buzina para abafar o ruído e digo os maiores palavrões que me vierem à cabeça. O pior que pode acontecer é os vizinhos acharem que sou grande fã de futebol. E que não dispenso a minha buzinadela mal acordo. “O quê, as crianças já acordaram? Às 6h00 da manhã?! FUOOOOOOOOOOOOOOONN!”