MusicBox
É um bar que é uma sala de concertos que é uma discoteca que é um espaço aberto a todas as artes que é um sítio onde cabe toda a música do mundo. Esta caixinha de surpresas abriu há pouco mais de um ano no tradicionalmente mal-afamado Cais do Sodré, no centro dessa sua geografia bas-fond, à medida de marinheiros e prostitutas, que recria portos do mundo em forma de bares.
Além, Oslo e Copenhaga, ali Liverpool, aqui Hamburgo em decadência. Por outro lado, há oásis, extensões do Bairro Alto que vivem noutra dimensão: a decana boa disposição do Jamaica, o revivalista Tokyo, o vibrante e madrugador Europa e, onde antes havia um já alternativo Texas Bar, encontramos o espaço que decidiu recusar a tradição toponímica local e baptizar-se, há pouco mais de um ano, com um nome à sua medida: MusicBox. Inaugurado em Dezembro de 2006, junta às noites de copos e fumo uma das mais intensas programações de concertos e eventos do país (sendo que o programa de um mês reúne facilmente seis dezenas de nomes).
Passada a entrada, empurram-se duas portas à saloon e entra-se numa sala onde, em vez de cowboys texanos, há uma multidão que vive a música ao vivo. E por cima de tudo isto, detalhe curioso, passa uma rua e milhares de carros toda a noite: é que o MusicBox está embutido sob a rua do Alecrim que liga o Bairro Alto ao Cais do Sodré.
O espaço, em semipenumbra com toques avermelhados (e memórias de lingerie na decoração que fazem uma divertida analogia à localização, para além de uns jeitosos fardos de palha envoltos em plástico qual puffs bastante convenientes), é uma sala única, um túnel alongado protegido por arcadas, que traz à memória as caves rock de outros tempos, com uma disposição simples: balcão de bar à esquerda, um pequeno conjunto de mesas e bancos à direita, as tribos pelo meio alongando-se até à pequena pista aos pés do palco ao fim da sala, onde, frequentemente, impera uma tela a quase todo o tamanho da parede onde são feitas projecções.
Tem o seu quê de capela, mas a religião indígena é mesmo a música. O espaço tem o tamanho certo para o que se pretende: a dose q.b. de concerto intimista mesmo quando está a abarrotar, a proximidade dos grupos de amigos seja para dançar seja para conversar.
E o MusicBox tornou-se já uma referência do circuito da música ao vivo, por aqui passam estrelas do passado, presente e futuro (desde o Quarteto 1111 em noite única à nova coqueluche da pop nacional Rita Redshoes) e para tomar o pulso a quem cria música moderna em Portugal é o sítio ideal.
O que não é para admirar: um dos sócios do espaço é Alex, conhecido como baixo dos Rádio Macau e pela editora Transformadores, que trouxe do extinto Johnny Guitar o mesmo espírito, sendo portanto natural que os antigos fregueses dessa marcante sala de espectáculos se sintam em casa e reconfortados. E uma cliente comentava mesmo que como órfã do lendário Rock Rendez-Vous, tinha por fim voltado a encontrar a sua segunda casa...
Mas há mais vibrações por aqui: pela noite fora, a pista de dança também se agita e bem ao som de estrelas internacionais (casos de DJ Juan Atkins ou Dorfmeister e Conte) às nacionais (como Miguel Quintão ou sessões com Zé Pedro dos Xutos).
Num ambiente ecuménico muito rock'n'roll ou muito clubbing, onde muitos trintões encontram um refúgio seguro para as ruas adolescentes do Bairro Alto, desenrolam-se as noites eclécticas de concertos, festas, sessões DJ, apresentações de álbuns, filmes, livros ou eventos temáticos. O ambiente é confortável (com a natural excepção de quando enche e bem em noites mais concorridas) e não há esgares de pretensões nem espaço aos "ir para ver e ser visto" de outros lados, antes um público dedicado e atento ao que se vê e ouve em palco.
Entre copos e acordes, fica a certeza que a manter-se o ritmo o MusicBox tem tudo para ser sítio onde se fazem e desfazem mitos, se revelam os novos valores e, de certeza, se viverão um bom punhado de noites míticas que poderão ficar para a história da música portuguesa.