Qualquer coisa do género

Metade homem, metade mulher
O Manuel e a Maria são estranhos. Quem o diz é a dona Antónia lá da rua. Ambos são metade homem e metade mulher, acusa ela.
A metade do Manuel que é homem interessa-se por mecânica. É ele que arranja o seu carro e, muitas vezes, desenrasca familiares e amigos mais próximos. Esse interesse conhece-se-lhe desde criança, quando passava horas a desmontar e montar os carros eléctricos que lhe ofereciam. Nessa mesma metade insere-se a sua obsessão pelo Glorioso, o Sport Lisboa e Benfica. Vai ao estádio sempre que há jogos num raio de 300 a 500 km de casa. Lê a Bola todos os dias, na sua versão em papel e digital. Nesta última vai acompanhando as contratações de última hora, as zangas e acusações entre treinadores e afins.
A metade mulher do Manuel é muito interessada por moda e culinária. Os seus programas favoritos, a par dos jogos do Benfica, são o MasterChef e o Project Runway. No primeiro aprende as receitas que tanto gosta de cozinhar quando recebe pessoas em casa. O segundo serve de inspiração para um dress code mais arrojado. O próximo passo é aprender a usar uma máquina de costura para fazer pequenos arranjos e, quem sabe, umas roupinhas para a Carolina, a filha de 10 anos.
A Maria tem uma constituição semelhante. Exactamente metade mulher e outra metade homem. Fifty fifty! A metade homem é muito dedicada ao futebol. Maria começou a jogar futebol na escola do Fófó ainda não tinha nove anos. Hoje pratica-o menos devido essencialmente à falta de pessoas que aceitem os seus convites insistentes. As colegas do trabalho não gostam de jogar à bola e os colegas não são muito receptivos a incluí-la na equipa. Já agora partilho convosco que foi lá, no Fófó, que ela e Manuel começaram a namorar.
A metade mulher da Maria é muito dada à decoração. Enquanto o Manuel vê o Masterchef ela vê o Querido Mudei a Casa. Tem sempre ideias novas para mudar a sala de jantar e enfeitar a cozinha e os quartos. Com bastante frequência lembra-se de trocar todo o serviço de jantar, as almofadas do sofá, os quadros, as plantas, os candeeiros… Só não troca o Manuel!
Se pensarmos numa definição tradicional do masculino e do feminino, depressa percebemos que todos nós temos um pouco de ambos os lados. Todos conseguimos identificar em nós próprios aspectos, interesses, ambições, gostos pessoais, características de personalidade que são associadas ao género oposto. Marias que jogam à bola e Manueis a gostar de moda há muitos.
Talvez nas sociedades contemporâneas faça cada vez menos sentido pensar os indivíduos em termos da sua identidade de género. O que interessa afinal se somos homens ou mulheres por inteiro, ou às metades?