Martin Henrik

O on-off das famílias reconstruídas

O aumento das taxas de divórcio mais ou menos generalizada não confirma a negação do desejo de reconstrução do ideal de família, antes pelo contrário. Novas famílias reconstruídas são cada vez mais uma realidade, ainda que com dinâmicas e formas de organização muitas vezes variáveis.

Os novos casais permanecem muitas vezes cada um em suas casas nos períodos em que têm os respectivos filhos a seu cargo, reunindo-se apenas socialmente, optando por fazer vida em comum quando as crianças estão com o outro progenitor. Outros, escolhem viver juntos sob o mesmo tecto com os respectivos filhos, procurando geralmente que os períodos de estada com as crianças coincida no tempo.

Apesar do regime de guarda partilhada ser uma escolha para muitos pais divorciados, a verdade é que, na grande maioria dos casos, as crianças permanecem a viver com a mãe durante a maior parte do tempo e estão com o pai em fins-de-semana alternados e podem jantar e/ou dormir uma vez por semana com o progenitor. Isto resulta frequentemente numa organização familiar em que é geralmente o padrasto quem vive com os filhos da mulher, a quem se juntam por um período maior ou menor os filhos do padrasto, se os houver. Esta poderá ser a organização familiar mais ou menos comum nas famílias reconstruídas.

Em qualquer dos casos, temos a profunda convicção de que este on-off de viver com e sem crianças constitui para os novos casais um desafio superior. As entradas e saídas dos filhos de um e de outro exigem uma organização permanente a muitos níveis desde as rotinas, agendas, alimentação, logística das casas, entre outros aspectos que existirão, mas que nem sempre nos chegam às consultas que temos com as famílias.

São cada vez mais as famílias que nos procuram com uma preocupação comum como a de fazer o melhor “arranjo” possível de todas estas variáveis para que, pais e filhos, encontrem a maior satisfação no seu dia-a-dia. Está subjacente o sentimento de que é importante encontrar um equilíbrio de bem-estar e conforto individual nesta nova vida escolhida pelos adultos. Para os pais destas famílias há certamente uma exigência grande ao nível da organização do dia-a-dia, mas sobretudo da adaptação à mudança constante dos ritmos que imprimem.

É importante que tenhamos consciência desta realidade em tempos em que se vive a um ritmo frenético ao nível da exigência profissional, agora ainda mais reclamada em tempos de crise económica. Reconstruir uma nova família não deve ser olhado como algo que se conseguirá fazer sem um esforço diário e permanente, talvez superior ao das famílias de primeira viagem. As variáveis que existem são em muito maior número ao que naturalmente acresce uma maior exigência, e portanto, um desgaste físico e emocional maior. Os discursos demasiadamente cor-de-rosa que tantas vezes ouvimos através da comunicação social podem ser enganadores e ilusórios. As famílias que nos procuram ao final de alguns anos de convivência são a prova disto mesmo. Conflitos que se tornam cada vez menos evitáveis sobre a gestão e sobrecarga do dia-a-dia, as diferentes formas de educar uns e outros e os de um e os do outro, as opções ou decisões simples da vida diária e a frequente oposição de interesses geram alianças onde parecem existir duas equipas a lutar por ganhar um objectivo que não é comum.

É possível construir uma realidade diária estável e coesa nestas famílias, mas não sem uma gestão rigorosa das prioridades da vida dos adultos, a quem é exigida uma grande maturidade, flexibilidade e espírito de entrega a este desafiante projecto.

O respeito pelas decisões do outro, pelas opções referentes aos filhos do outro, pelas diferentes formas de fazer do outro revela-se aqui fundamental. E todo este caminho precisa de tempo para ser vivido, construído e aprendido. A vida das famílias reconstruídas não pode ser encarada como uma imitação das regras e vivências do que se viveu nas famílias de primeira viagem. Ou não seria esta uma segunda viagem, diferente e específica, pois plagiar a mesma história significa seguramente correr grandes riscos. 

Psicóloga e terapeuta familiar