Pedro Cunha/Arquivo

Carta aos pais dos filhos do divórcio

É por isso que estou aqui… Para a Dra. Joana me ajudar a habituar à ideia de que os meus pais estão separados. Mas eu não sei se algum dia vou conseguir…

Joana, terapeuta familiar, fica emocionada ao ler a carta de António. Recorda a sua angústia, tristeza e desilusão. Recorda como António mostrava todos estes sentimentos através da zanga e desafio constante aos pais. Relembra as dificuldades sentidas por eles em serem firmes e manterem as regras e os limites que António tanto precisava, num momento em que se sentia muito perdido. Lembra também a fragilidade, tristeza e culpabilidade dos pais por tudo o que o filho estava a passar.

Foi um caminho que fizeram em conjunto pelo perigo do António se fixar em sentimentos de negação do divórcio e que o estavam a impedir de viver em plenitude, já com algum comprometimento do seu rendimento escolar.

Mas Joana sempre sentiu que esta era uma família que apesar de separada estava unida num objectivo comum: ajudar o filho a adaptar-se a esta nova forma de ser família. Esta era a grande diferença quando comparava a história do António com as de outros meninos que não tinham pais como os seus, capazes de proteger os filhos, envolvendo-os nos seus conflitos, impedindo-os de fazer o luto do fim do seu casamento e de se sentirem seguros emocionalmente.

A decisão de um divórcio na família tem impacto em todos os seus elementos, particularmente nas crianças. É um momento de dor em que os pais têm que assumir como principal função torná-lo menos doloroso para os filhos. É um momento de ruptura, que implica lidar com sentimentos de perda e de readaptação a uma nova realidade.

A decisão da separação pode ser considerada pelos pais como a melhor opção para o conjunto da família se tiverem capacidade para iniciar um caminho de tranquilidade e estabilidade. Mas também pode ser uma continuidade do que já existia ou o iniciar de novas disputas onde os filhos se sentem divididos, num conflito de lealdades.

Podemos representar este conflito imaginando um corpo e um coração partidos ao meio. Como se a parte do amor que sentem por cada um não pudesse estar lado a lado, dentro de si. O esforço que isto exige à criança representa um enorme sofrimento onde tem que despender e aplicar grande parte da sua energia, deixando-a muito pouco disponível para viver mais saudavelmente a sua fase de desenvolvimento.

Para a família, a interrupção do seu projecto de vida era algo impensável e não desejado, sendo que para os filhos esta é quase sempre uma verdade irrefutável.

Tenho tido o privilégio de algumas das crianças com quem trabalho revelarem confiança para partilhar comigo os seus sentimentos referentes ao divórcio dos pais. Destaco sentimentos de tristeza, desilusão e perda pelo desmembramento da família, em que deixar de viver com um dos progenitores (geralmente o pai) assume grande relevância. No entanto, a forma como vivem e se adaptam à nova condição de vida e ser família, depende da desejável definição das fronteiras entre o que faz parte da relação dos pais e o que deve ser partilhado com os filhos.

A tristeza sentida é um luto que a criança tem que fazer relativamente ao fim do casamento dos pais, que não deveria implicar em circunstâncias ideais o fim da relação dos mesmos. Antes uma relação que passa a ser diferente, deixando de existir como casal mas que se manterá para sempre enquanto pais.

Outro dos aspectos mais referidos é o de que a vida das crianças sofrerá alterações quanto à organização e dinâmica, o que os poderá colocar numa posição onde sentem que têm que fazer uma escolha de lealdades, sobretudo quando existem conflitos. Esta é a maior injustiça que uma criança pode sentir quando a envolvem numa decisão da qual não participou e não desejou.

O maior desafio parental em circunstância de divórcio é manter a todo o custo os filhos afastados e protegidos dos seus conflitos!

Esta é uma prova de amor que resultará num apaziguamento e permitirá enfrentarem o luto que têm de fazer para conseguir uma melhor adaptação à nova relação dos pais, e às mudanças inevitáveis na organização das suas vidas.

Garantir-lhes que a separação é dos pais e não entre pais e filhos. Assegurar a manutenção da sua relação com os dois progenitores é fundamental para impedir sentimentos de abandono ou atitudes de manipulação.

Nos casos em que as crianças revelam maior dificuldade em fazer o luto da perda da relação dos pais, a principal consequência poderá ser uma menor disponibilidade para se dedicarem às suas vivências e experiências, bem como a uma menor capacidade para desempenhar as tarefas próprias da fase em que se encontram. Esta incapacidade é claramente aumentada se enquanto filhos forem chamados a fazer parte dos conflitos dos pais de uma forma continuada, inserindo-os no grupo de crianças de alto risco.