João Cordeiro

“Não conseguimos enfrentar as birras!”

Pipa e Francisco jantam em casa dos primos João e Catarina.
Francisco: Bom a Francisca passou de anjinho a diabinho! Está impossível! É de um gajo se passar da cabeça!
Catarina: Que exagero Francisco!
Francisco: Ouve, eu não a consigo controlar. Ela quer uma coisa e no outro minuto quer outra… chora, grita…nunca a vi assim…são birras de enlouquecer. E a Pipa acha que a melhor forma é dar-lhe alternativas!!
João: Eh, calma! A minha priminha sempre soube o que fazer!
Pipa: Pois olha, mas pela primeira vez não sei! Ela não era assim, e eu vejo-a tão descontrolada e tento evitar isso, mas parece que nada resulta… também não me parece que seja a bater!
Catarina: Calma aí Família! Nunca ouviram falar na «fase das birras»?

Este diálogo é ilustrador da ambivalência que muitos pais sentem na chamada «fase das birras». Esta é uma etapa de desenvolvimento caracterizada por um descontrolo ao nível motor, impulsividade marcada e desejos imediatos, em que o mundo da criança se encontra mergulhado num forte egocentrismo. Nesta perspectiva, a luta pela independência obriga-a ao confronto com as primeiras frustrações. Vai pôr-se à prova, testar limites, e para isso tem que ir muitas vezes longe de mais.

Nesta fase, a criança passa o dia a treinar as novas capacidades, relativamente a si própria e na relação com os pares, o que implica viver momentos de tensão que vai acumulando ao longo do dia. Quando chega ao seu porto de abrigo e encontra os seus guardiões, pode finalmente relaxar e libertar-se.

Fá-lo geralmente, através de descargas tensionais caracterizadas por descontrole motor e impulsividade com os que lhe são mais próximos, em quem confia e que aguentam as suas «explosões» devolvendo-lhe contenção e sentido.

Na realidade, a criança sente-se perdida e desorganizada perante o desejo de autonomia, que a faz reclamar poder, mas que também a assusta e leva a reagir de forma impulsiva. Começa a exigir de si própria uma aprendizagem, que pretende imediata e da qual não consegue abdicar. Há uma vontade de conquista através da sua afirmação nas várias situações. Naturalmente, surgem sentimentos de frustração, desorganização e descontrole sempre que se confronta com o que não consegue fazer, compreender ou é impeditivo de pôr em prática a sua independência e afirmação. O que ela procura a par com o seu desejo de autonomia são os seus próprios limites.

É fundamental que os pais entendam que as birras, nesta idade, não são chamadas de atenção e têm um significado. Representam um importante e necessário contributo para o desenvolvimento afectivo, emocional e social da criança, nesta luta entre poder/autonomia e a necessidade de manter a sua dependência/protecção.

Em todo este contexto há um pedido implícito de ajuda que lhe devolvam a confiança “perdida” no momento de descontrole/desorganização. É quando a criança se confronta com o facto de não conseguir gerir o poder que adquiriu e se sente fragilizada e angustiada.

Muitas vezes, os pais sentem-se perdidos, oscilando entre reacções de maior rigidez ou evitando a frustração, oferecendo alternativas com o objectivo que não sofra ou se desorganize.

Mas a principal tarefa desta fase para os pais é ajudarem o filho a atingir este equilíbrio, e não a substituírem-se a ele. Pretende-se que este aprenda e treine o seu auto-controle, experimentando a frustração que é necessária e o leva a suplantar-se.

As atitudes de confronto e provocação encerram um pedido aos adultos de decisão sobre o que pode ou não pode fazer, ou seja, um pedido de limites e disciplina. Esta tarefa é difícil e exige também autocontrole por parte dos pais.

É, portanto, fundamental que se substituam um pelo outro para ganhar forças nesta caminhada, com o objectivo de não se fragilizarem. Isto é, alternando a presença de um e outro com a criança, permite ao elemento mais angustiado do par parental pode afastar-se.

A tentação de criar um ambiente em que tudo corra bem, procurando agradar a todos, juntamente com o receio de que o filho goste menos de nós, desenvolve uma atitude de permanente indecisão não fornecendo directrizes e orientação, forçando-o a atitudes mais insistentes e provocatórias.

Uma atitude de firmeza e consistência pode ser muito importante, como por exemplo: segurar na criança, sentá-la ao colo, deixá-la a pensar no seu quarto até que se acalme, explicando-lhe depois de forma breve e clara que não são comportamentos que queiram ver repetidos e que os vão impedir.

No entanto, importa ter presente que estes comportamentos se mantêm entre os 18 meses e ao longo dos dois anos de vida da criança, que precisa de tempo para interiorizar e aprender o significado dos limites dos pais. Por isto, a repetição destes episódios de disciplina têm que acontecer de forma frequente e consistente.

E na realidade serão os filhos os mais importantes avaliadores do trabalho dos pais realizado nas fases anteriores!