Daniel Rocha

A separação de pais e filhos: uma eterna tarefa!

“Temos o desejo secreto de que precisem sempre de nós…”

Pipa é mãe de Francisca (17 meses). Em casa, Pipa lancha com a prima Catarina, que se fez acompanhar por Gui (sete meses), enquanto Francisca brinca no seu quarto.
Pipa: Ele está tão querido! Parece um coelhinho a gatinhar…
Catarina: Sim, olha mas tivemos que tapar todas as tomadas lá de casa porque punha as mãos em todo o lado!
Francisca volta do quarto, com o seu coelhinho inseparável pela mão, abraça a mãe, e sai novamente a correr para brincar.
Pipa: Sim, nós tivemos que fazer o mesmo. Mas espera pela fase em que começar a andar, não chegam todos os olhos que temos!
Catarina: Acredito. E aí começam a deixar de ser os nossos bebés… ai…
Pipa: É verdade, mas não te preocupes porque vão continuar a precisar muito de nós, só que de forma diferente…
Francisca entra na sala com o seu coelhinho ao colo a quem dá biberon
Catarina: Que mãe tão responsável, Francisca! Ele estava com fome?
Francisca sorri e acena que sim com a cabeça. Volta a correr para o quarto.
Pipa: Agora é assim, vai e vem, sempre com o seu coelhinho. Mas já consegue passar mais tempo no quarto sozinha. No outro dia, devia estar distraída a brincar, veio a correr para ver onde estávamos porque não havia barulho, e desatou a chorar.
Catarina: Pois, a independência custa a ganhar!
Pipa: Mas é verdade, ainda hoje faço esse exercício em relação aos meus pais. Não é fácil, e dura a vida toda…
Catarina: Acho mesmo que é das tarefas mais difíceis para os pais.
Pipa: Sim, e para os filhos. Mais ainda para os que também são mais dependentes…é muito ambivalente. Queremos que eles aprendam a fazer as coisas sozinhos, mas temos o desejo secreto de que precisem sempre de nós…
Sorriem e bebem um golo de chá.

O processo de separação pais-criança começa desde o nascimento e vai-se construindo ao longo de toda a vida. É nos primeiros anos da criança que pais e filhos se confrontam com esta difícil, mas necessária e desejável tarefa.

As conquistas que realiza ao nível motor, o gatinhar e a marcha ajudam a separação e levam à descoberta do mundo à sua volta. A criança começa por fazer breves afastamentos, e sempre que se afasta um pouco mais, sentirá a falta, a ausência e sentir-se-á triste e/ou ansiosa. Precisa de sentir estas emoções para que gradualmente vá suportando com mais tranquilidade a ausência dos pais, e ao mesmo tempo adquirir o sentimento de competência de estar e fazer sozinha. O coelhinho da Francisca parece ajudá-la neste processo, fazendo-a sentir-se mais acompanhada e segura. 

A difícil tarefa para os pais é conseguirem presenciar algumas reacções de ansiedade ou tristeza dos filhos perante os seus movimentos de autonomia. Torna-se importante deixar que a criança se confronte com a sua angústia, que estará presente em muitas fases da vida, sobretudo nas que exigem mudanças ou readaptações. Naturalmente, os pais terão a capacidade, pelo conhecimento que já têm do filho, de distinguir a necessidade de intervir caso a criança não esteja realmente a adaptar-se à situação.

Se os pais não permitem que experimente a sensação de perda e/ou angústia face ao seu afastamento, correndo a aliviá-la a todo o momento, ela não aprenderá a conviver com estes sentimentos. Agirá de forma a evitá-los, necessitando chamar alguém ou recorrer a algo sempre que ao longo da vida, se depare com situações que lhe causem angústia ou insegurança, impedindo-a de evoluir no seu crescimento rumo à autonomia, independência e responsabilidade que lhe permitirá atingir uma identidade mais coesa e segura.

Falamos aqui de uma tristeza/angústia que são positivas, e que a criança tem que experimentar para se separar com tranquilidade. Quando nos substituímos ela aprenderá a chamar pelos pais assim que antecipa a angústia e as dificuldades, o que a impede de chegar a senti-la e vivê-la. Desta forma, interiorizará as figuras parentais como substitutas dessa tensão necessária na aprendizagem para encarar a vida.

Tal como os pais, também os flhos vão sentindo como difícil a tarefa da gestão deste caminho de separação, que tantas vezes se faz acompanhar de sentimentos de profunda ambivalência. Em algumas fases do ciclo de vida a necessidade de afastamento parece ser vivida com maior afirmação e sem grande hesitação, como por exemplo a adolescência ou a fase de jovens adultos onde o início da vida amorosa se torna mais efetiva. Nestes períodos parece haver a certeza de que a defesa de uma intimidade é fundamental para fazer escolhas mais livres e conscientes. No entanto, também recordamos vivências que inspiraram pronúncio de perigo e nos empurraram hesitantemente para o colo dos pais ou avós confidentes, tal como acontecia nos anos mais precoces. Mas se pensarmos na fase de formação de uma nova família, com o nascimento de filhos pequenos há geralmente uma vontade maior de aproximação dos pais, agora avós. Se por um lado há uma procura de referências para o desempenho deste delicioso, mas também assustador papel da parentalidade, por outro lado, há também o desejo de provar a autonomia e segurança na vivência destes papéis.