Pedro Cunha/arquivo

Encontros e desencontros num livro

Maria: Sabes como nos sentimos nas semanas antes de irmos viajar?!

Salvador: Acho que sim. Deliro com esses momentos de antecipação!

Maria: Um misto de expectativa e alegria?! Que tornam os dias mais leves?! Acredita que é o que me tens feito sentir com o nosso reencontro! Estou mesmo feliz...

Salvador: Vou-te dizer uma coisa e é muito importante que acredites em mim. Olhando para trás, só me surgem os vossos rostos: o teu, o dos teus pais, do Manuel... Saí daí com uma enorme felicidade aliviada.

Maria: Aliviada?

Salvador: Sim, aliviada. Senti-me totalmente vosso outra vez.

Maria: Pois... percebo. Também pensei que te tinha perdido para sempre...

Salvador: Mas não me perdeste, pois não?

Maria: Agora vejo que não. Mas durante estes anos não foi fácil perceber isso. O que disseste sobre seres nosso outra vez é muito profundo, e se calhar todos sentimos isso nestes dias...

Salvador: Lá está! É o alívio entusiasmadíssimo que eu estou a sentir. Mas agora só me apetece ir ter convosco outra vez. A correr.

Maria: Pois, eu também sinto isso.

Perguntem a Sarah Gross, de João Pinto Coelho, é um romance sobre o qual já muito foi escrito e quase sempre em tom de crítica elogiosa. Parece ser unânime que este é um livro que desperta emoções e que tem a capacidade de manter os leitores ligados de forma ininterrupta à narrativa e personagens. A sua irrepreensível capacidade descritiva dos lugares, diálogos, características, personagens e contextos relacionais permite-nos mergulhar profundamente numa história que essencialmente nos transporta para o reconhecimento e confronto com os mais básicos e genuínos sentimentos e emoções da raça humana. O amor incondicional, o medo da perda e da morte, a ambivalência entre o bem e o mal, o desejo e a dor, a confiança, o perdão... É no viver e cruzar destes sentimentos e emoções que as personagens vão percorrendo um caminho ao longo da narrativa, apresentando estruturas de personalidade magnificamente construídas, pela coerência e ambivalência que revelam. Neste caminho, podemos mais tarde entender com clareza os comportamentos que as personagens assumem em um dos períodos mais horrendos da história da humanidade como foi o do Holocausto.

O papel do pai que centraliza e protege a sua família até ao limite humanamente possível; a figura materna que contém, equilibra emoções e respeita o percurso individual dos filhos; a amizade incondicional que se coloca à defesa do outro no culminar de uma confiança, lealdade e fidelidade; a capacidade de perdão levada ao limite...

Há  neste livro um brilhantismo que envolve as relações, sobretudo pela ambivalência quase sempre presente – cuidar e ser cuidado, perdoar e agredir, coragem e desespero – que nos permite situar entre a realidade e o imaginário que vivemos nas nossas próprias vidas e relações. Os encontros e desencontros presentes ao longo da existência de cada um conduzem a estados confusionais, de incompreensão e impotência, acompanhados de um sentido de injustiça ou falta de esperança. Sabemos que tudo o que não controlamos ou se apresenta como desconhecido ou inesperado pode desencadear comportamentos de impulso ou o mergulhar em vazios que nos desorganizam e impossibilitam. A perda de um ser querido, um divórcio, o desemprego, o afastamento prolongado dos filhos, o convívio com a doença, a desilusão com uma grande amizade são apenas alguns exemplos. Mas também sabemos que são estes os momentos que nos retiram da nossa zona de conforto, que obrigam a procurar alternativas e um fazer diferente, que nos permita recomeçar e construir de novo. Não melhor, mas sim de uma forma criativamente diferente.

João Pinto Coelho consegue levar-nos a emocionar e a ambicionar fazer mais e melhor na vida e pelos outros. O que mais se pode desejar da leitura de um livro?