Russell Boyce/Reuters

O Impacto do Diagnóstico de Fibrose Quística

“Fomos chamados à Unidade de Neonatalogia para dar apoio a um casal, pais de gémeos verdadeiros, com suspeita de diagnóstico de Fibrose Quística (FQ). Apresentámo-nos como terapeutas que integram a equipa de técnicos que trabalham com doentes de FQ e suas famílias. Nas primeiras sessões confrontamo-nos com a incerteza do diagnóstico, que como sabemos é um momento de extremo sofrimento e ansiedade. Os pais profundamente emocionados, e ainda a recuperar do confronto com o internamento “surpresa” dos filhos, e das primeiras complicações clínicas referem: “Foi um choque. Nos primeiros dias só os vimos piorar” – vêem-se agora perante a enorme expectativa que é aguardar pelos resultados dos exames de confirmação do diagnóstico – “Ainda não conseguimos acreditar no que nos está a acontecer…”, “Porquê?”.

Neste momento observamos, no casal uma atitude esforçada de controlo das emoções, com o intuito de manterem o equilíbrio para receberem uma notícia que sabiam devastadora.

Passados uns dias chega a confirmação dos testes genéticos para a FQ. Percebemos que precisaram de algum “espaço” para digerir a notícia, pelo que durante os primeiros momentos, respeitámos a necessidade de ambos de não explorar a temática da doença. A mãe Sara, num dos encontros, referindo-se à forma como têm lidado com todo este tumulto, diz: “Muitas vezes não me consigo conter, mas o João, nesses momentos contêm-se para me apoiar. Sei que ele também sofre. Acho que tivemos que nos adaptar ao sofrimento um do outro”.

Temos a sensação de estar perante uma família que revela uma grande capacidade de adaptação a esta condição, revelando a flexibilidade necessária para se reorganizar face a este grande imperativo.”

In “Psicóloga de Família”

A cada 8 de Setembro assinala-se o Dia Mundial da Fibrose Quística, doença que nos últimos anos de trabalho clínico tenho tido o privilégio de conhecer e trabalhar com doentes e suas famílias. A Fibrose Quística (FQ) é uma doença crónica com prognóstico fatal, sendo a esperança média de vida, para bebés que tenham nascido a partir dos anos 90, entre os 30 e 40 anos.  No entanto, muitos doentes têm no transplante pulmonar uma forma de limitar a evolução da doença.

No momento do diagnóstico de qualquer doença crónica todos os pais colocam questões semelhantes: “Porquê o meu filho?” e “Como é que isto nos foi acontecer?”

Sentimos da nossa experiência que a fase inicial de diagnóstico é aquela em que as famílias se sentem mais perdidas, como que à procura de referências e explicações que justifiquem este acontecimento. É uma espécie de estado confusional que se pode manter durante mais ou menos tempo. As primeiras reacções mais comuns a que assistimos nos pais são de choque, negação e zanga. Estas são necessárias para permitir exteriorizar os mais profundos sentimentos e para poderem passar a outra fase de aceitação e adaptação aos pressupostos de viver com um filho com doença crónica.

Durante este período há um conjunto de tarefas familiares que se impõem à criança e sua família: aprender a lidar com o ambiente hospitalar e com os procedimentos relacionados com o tratamento, estabelecer e manter relações funcionais com os técnicos de saúde. Nesta esta fase outros planos de vida são frequentemente deixados em espera pela família para que se possam dedicar à familiarização com a doença.

O casal parental vai enfrentar neste período sentimentos, interrogações e dificuldades que provavelmente nunca experimentaram antes. A maior estabilidade e união da relação conjugal dos pais à data do conhecimento do diagnóstico, poderá representar um factor protector face ao impacto do mesmo, bem como a capacidade de adaptação de todos os elementos da família.

A comunicação do diagnóstico à criança é sempre geradora de ansiedade e por vezes de discórdia entre os pais. No entanto, é importante ter consciência que esconder ou omitir a verdade à criança sobre a sua doença, como forma de a proteger, nunca é a melhor opção. As crianças mesmo as mais pequenas (4/5 anos), apercebem-se do que se passa à sua volta. São sobretudo, extremamente sensíveis e atentas às alterações de comportamentos e emoções dos pais. Será sempre mais desejável que tenham este conhecimento através dos pais, do que através de conversas soltas que ouvem no seio da família (por mais cuidados que se tenham para que tal não aconteça) ou procure as suas respostas sozinha através da Internet, como pode acontecer na fase da adolescência.

Tal como os pais, ela precisa saber o que se passa consigo, naturalmente com explicações adequadas à idade, desenvolvimento e maturidade. Este conhecimento é importante para que possa ir vivendo com a consciência das limitações e exigências da sua doença. Só assim lhe permitiremos que se adapte de forma gradual e consciente à realidade do impacto desta na sua vida.

O conhecimento do diagnóstico por parte dos irmãos também se revela fundamental. É uma forma de o ajudar às adaptações que também terá que fazer na sua vida, e de se sentir valorizado e reconhecido no seu papel.

Os irmãos fazem parte da família e partilham as consequências desta situação, pelo que lhes é penoso assistir ao sofrimento do irmão e dos pais. Reagem de muitas formas à perda de atenção que tantas vezes acontece em certos períodos da doença, à atenção quase exclusiva que passa a ser dada ao irmão doente, às alterações do dia-a-dia e da dinâmica familiar, etc.

Este momento é sempre profundamente desorganizador para todos os elementos da família, porque pode comprometer as rotinas já estabelecidas, bem como projectos de vida individuais de cada um. Mas também é uma fase que permite aos seus elementos descobrir forças, capacidades e potencialidades que até aqui desconheciam ter.

Mais do que a doença crónica em si, importa reconhecer o esforço que a família terá que fazer para se adaptar a viver com a realidade da doença. Onde se torna imprescindível que a mesma não ocupe todo o espaço da existência das suas vidas. Pelos pais, pelos irmãos, mas principalmente, pela criança doente. Será um fardo demasiado pesado de carregar se sentir que toda a vida da família gira em torno de si e da sua doença. Os sentimentos de responsabilidade e culpabilidade serão ainda mais profundos.

A criança tem que aprender com os pais que é mais que a sua doença. Só assim poderá acreditar nas suas outras potencialidades e procurar nelas a sua realização.

Podemos confirmar a competência de muitas famílias que vivem o seu dia-a-dia com uma doença crónica. Estas famílias têm-nos revelado que existe a possibilidade de viver uma vida diferente das “vidas comuns”, através da sua luta diária pela conquista de uma normalidade que lhes permite encarar o futuro com esperança.