Psicóloga de Família
“Uma experiência para a vida...”
João: Mãe, como foi a viagem?
Mãe: Maravilhosa, João!
Francisco: Porquê? O hotel tinha piscina?!
Mãe: Tinha, querido, mas não foi por isso...
Francisco: Não?!
João: Claro que não, parvo! Foi pelas coisas que viste, não foi?
Mãe: Foi... Gostei muito de conhecer o hospital, as pessoas que lá trabalham, o esforço que fazem para trabalhar com menos condições...
Francisco: O que são menos condições?
João: Quer dizer que não têm tantas coisas... para... trabalhar...
Francisco: O quê?
Mãe: Querido, não têm todo o material que precisam, os médicos têm que fazer um bocadinho de tudo... os enfermeiros também...
João: Mas isso é mau?
Mãe: Não é propriamente mau... é difícil, mas também lhes traz uma grande capacidade de adaptação, resistência, porque têm menos condições que os trabalhadores dos hospitais aqui de Portugal, por exemplo...
João: Fizeste lá amigos?
Francisco: Achas?! A mãe foi trabalhar! E foram poucos dias
Mãe: É verdade... mas acho que fiz...
O Hospital Agostinho Neto, um dos principais hospitais de Cabo Verde e maior centro hospitalar da cidade da Praia, organizou no passado mês de Junho, as suas II Jornadas de Pediatria intituladas: “Do Recém Nascido ao Adolescente – promovendo a Saúde” e convidou a participar profissionais das áreas médicas e da psicologia, do Departamento de Pediatria do Centro Hospitalar Lisboa Norte. O convite chegou ao Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental da Infância e da Adolescência e foi encarado com grande honra e desafio!
A proposta era a de partilharmos a nossa experiência de trabalho em doença crónica na infância. De acordo com o que praticamos, e é defendido pela maioria dos autores, a abordagem da doença crónica na infância e adolescência só faz sentido se a nossa intervenção for dirigida tanto à criança, quanto à família onde nasceu e se desenvolve, ou seja, o seu principal contexto de referência. Na perspectiva da abordagem sistémica da doença crónica, neste contexto, devemos ter sempre presentes três referenciais: o tipo de doença, a fase da doença em que a família se encontra e o tipo de família que temos.
O desafio de conhecer alguma da realidade do Hospital Agostinho Neto, cuja arquitectura e cor nos faz recordar o nosso Hospital de São José, foi uma oportunidade para conhecer outras formas de trabalho e partilha de experiências. Sente-se dedicação e investimento por parte dos profissionais desta instituição que assumem uma atitude de intervenção clínica que vai muito além da exclusividade das suas formações de base, para assim corresponder às necessidades e exigências pelas faltas eventuais de recursos materiais e/ou humanos.
Com uma nova administração desde há dois anos, tive o privilégio e a oportunidade de conhecer a sua directora, a senhora Dra. Ricardina de Andrade, que revelou no seu discurso firme e entusiástico, três grandes motivações: a melhoria das infraestruturas, a humanização do atendimento, e a qualidade e segurança na prestação de cuidados.
Mostrei curiosidade por conhecer as instalações da nova pediatria já reestruturada, cuja visita foi acompanhada pela directora clínica e por uma médica pediatra, Dra. Maria do Céu Teixeira e Dra. Sandra Lobo, respectivamente. Há quartos partilhados por várias crianças acompanhadas pelos pais, quartos de isolamento e, curiosamente, uma medida que merece grande reconhecimento, um quarto com camas de adulto para receber as mães de bébés que ainda se encontram em período de amamentação. O azul bébé como cor de fundo, as janelas de cada quarto pintadas segundo as cores do arco-íris, tornam o ambiente leve, alegre e acolhedor. Além de todas as patologias próprias do universo pediátrico, foram referidos os acidentes domésticos e as doenças do foro oncológico, com consequentes cuidados paliativos, como assumindo um volume considerável de ocupação do internamento.
A luta por um médico em permanência na Unidade de Neonatologia, tem sido um processo evolutivo positivo, tendo já sido alcançado o objectivo de todos os bebés serem observados logo que nascem, coexistindo uma forte vontade de criar mais diferenciação nos cuidados.
Fui ainda guiada pela minha querida colega, a psicóloga Dra. Andreia Monteiro, na visita ao Hospital Psiquiátrico da Trindade, situado na periferia da Cidade da Praia, onde são internadas pessoas com doença mental, e também, ao contrário do que muitos desejariam, por motivos de limitações várias, doentes do foro da toxicodependência e do alcoolismo. Aqui funcionam ainda as consultas externas de psiquiatria de adultos e de psicologia pediátrica. O hospital tem um considerável espaço interior e exterior, no entanto, o melhoramento das infraestruturas é um desejo partilhado por todos os que nele trabalham. Também na área da psicologia a necessidade de corresponder a tantas exigências obriga a que a minha colega tenha que se dedicar a várias áreas, algumas muito distintas, e que a desviam, provavelmente, de um investimento mais exclusivo às da sua preferência, mas que certamente, pelo que testemunhei, constituem um desafio constante à aprendizagem da prática clínica.
Por fim, tenho ainda muito gosto em partilhar alguns pormenores do percurso desta deslocação que se revelou tão rica em experiências pessoais e profissionais! Já tinha estado em Cabo Verde, em férias, na Ilha do Sal. O que recordo da ilha, para além do vento, são as belíssimas praias e a simplicidade de vida! Da Cidade da Praia, mais verde em certos pontos da ilha, trouxe a riqueza do reconhecimento dos nossos vestígios, que se sente através da arquitectura, da língua e da forma como me senti acolhida e reconhecida. A cidade transpira crescimento e investimento! A zona do Plateau, com os mercados, comércio e restauração, tem uma oferta variada de bens e serviços. A zona nobre dos Paços do Concelho, na praça Alexandre Albuquerque, tem uma esplanada simpática e moderna onde se realizam festas e exposições, procurando dinamizar a cultura na cidade. A praça que tem wi-fi gratuito, torna-se um ponto de encontro para adolescentes e jovens, que ali se reúnem e têm acesso às redes sociais. A zona das praias maravilhosas do Trafagal ficam certamente para uma próxima visita...
Mas o que verdadeiramente ficou dentro de mim foi a certeza de que é possível fazer muito, com pouco... desde que se queira... desde que se sinta...