Rui Gaudêncio

“Não consigo controlar-me. Olhem para mim!”

Tânia cruza-se com Teresa – mãe de António (7 anos e 6 meses) e colega de turma do 2º ano de Mafalda (7 anos) – a chorar num dos corredores da escola.

Tânia: Olá Teresa… Passa-se alguma coisa? Posso ajudá-la?

Teresa: Olá Tânia. Isto é muito difícil… Não sei se aguento mais. Já não sei fazer mais…

Tânia: É o António?

Teresa: Sim, coitadinho. Tenho tanta pena dele… Ele não tem culpa de se portar assim. A culpada sou eu…

Tânia: Calma, Teresa. Mas o que aconteceu?

Teresa: Estive agora numa reunião com a professora. Ela está preocupada com ele porque já está no 2º. Ano e continua muito irrequieto. E na relação com os colegas quando há alguma discordância exalta-se muito e grita-lhes…

Tânia: Foi uma surpresa para si? Em casa as coisas correm bem?

Teresa: Não, Tânia. O pior é que não. O António já em bebé era difícil, chorão, exigente. Depois foi filho único, primeiro neto, primeiro sobrinho… enfim teve uma grande atenção, tolerância e disponibilidade por parte de todos. Mas parecia nunca estar totalmente satisfeito. Apesar de sempre ter sido muito meigo…

Tânia: Sim, ele é um amor.

Teresa: Mas neste momento ninguém consegue ver isso. Eu nem culpo a professora. Até nós família temos muita dificuldade em ter momentos tranquilos com o António. Está sempre a desafiar-nos. Opõe-se a tudo. Leva-nos ao limite…

Tânia: Eles têm fases assim… é muito difícil…

Teresa: Pois, eu também fui achando que era uma fase. Mas não é. Com o divórcio há dois anos ele ainda piorou mais. Mais uma vez por culpa nossa. Acho que todos tivemos medo das consequências que o divórcio teria sobre ele e quisemos compensá-lo por isso. Foi um erro. E sempre fomos muito permissivos…

Tânia: Teresa, eu acredito sempre que como pais vamos fazendo o melhor que podemos e sabemos em cada momento. E eu já assisti a uma birra do António!

Teresa: Quando?!

Tânia: Mais ou menos há dois anos, no supermercado. Nunca mais me esqueci. E durante algum tempo lembro-me de ficar a pensar que provavelmente eu teria acabado também por lhe comprar o que ele queria porque não era só descontrolo que senti nele… não sei parecia ter uma certa angústia…

Teresa: Sinceramente, não me lembro. Isso acontecia tantas vezes. Mas é isso exactamente que sinto. É como se fosse algo mais forte que ele. E sinto a angústia dele.

Tânia: Imagino que sim…

Teresa: Ele sempre foi uma criança exigente e eu fui achando que passava com o tempo… Mas ele é tão insistente que acaba muitas vezes por nos vencer pelo cansaço. Começamos por dizer que não, mas muitas vezes acabamos a dizer que sim. Mesmo sabendo que estamos a errar… Até porque ele reage com tanto descontrolo e impulsividade, até por coisas de nada.

Tânia: E deve ser fácil perder o controlo da situação…

Teresa: Eu procuro manter a calma muitas vezes, mas noutras fico desvairada, grito-lhe e só me apetece bater-lhe. Depois vêm os enormes sentimentos de culpa…

Tânia: Depois é uma bola de neve, não é? Perde-se o fio à meada…

Teresa: Pois. Acho que já deixámos passar tempo de mais… Precisamos de ajuda.

 

A formação da personalidade de uma criança depende de factores biológicos, sociais e familiares que se interrelacionam, com maior ou menor relevância de uns ou de outros.

Comportamentos de marcada e frequente oposição, teimosia, desobediência e desafio face às figuras de autoridade por um período prolongado no tempo, são característicos do diagnóstico de Perturbação da Oposição. São crianças que manifestam uma grande dificuldade ao nível da regulação dos afectos e sentimentos, sendo que esta vulnerabilidade as torna mais dependentes e exigentes na relação com o outro.

Uma das características mais comuns é uma baixa tolerância à frustração que se apresenta frequentemente sob a forma de crises de irritabilidade, explosões de temperamento com uma carga considerável de agressividade, parecendo que a criança nos quer atingir ou provocar. São reacções onde ela se “apoia” para “escoar” a tensão acumulada e que revelam a sua dificuldade em controlar-se. É só uma forma de agir aquilo que não consegue dizer: “Não consigo controlar-me. Olhem para mim!”.

Como o estilo de reacção ou comportamento traduz agressividade é difícil por vezes, a compreensão de que por detrás existe sofrimento e um pedido de ajuda. Os pais sentem uma grande ambivalência e angústia por não saberem como reagir. Assistem frequentemente a uma enorme e permanente insatisfação no filho. Como se nada do que fizessem o impedisse de se sentir assim.

Não podemos olhar uma criança sem pensarmos no meio onde vive e com quem vive. Crianças que apresentam comportamentos dirigidos ao outro com marcada intencionalidade, agressividade ou impulsividade são crianças que se acompanham de inocência e sobretudo de uma incapacidade de realizar ou prever os efeitos ou consequências do seu comportamento. Pelo que estas reacções têm inevitavelmente que ser partilhadas pelos pais.

Assumir parte desta responsabilidade é uma forma de lhe dizer: “Eu estou aqui ao teu lado e juntos vamos descobrir novas e melhores formas de fazer e agir”. Esta atitude dar-lhe-á a sensação de que é compreendida, o que a apazigua e pode motivar na tentativa de fazer diferente.

Mais do que aquilo que dizemos, importa aquilo que fazemos. É impensável pedirmos controlo ao nosso filho se reagirmos às suas crises também com descontrolo e exaltação.

Crianças com estas características precisam de respostas firmes e coerentes, que passam muitas vezes por terem que ser contidas ou travadas fisicamente, mas sem exaltação ou ressentimento por parte dos pais. Importa também não ceder quando são ultrapassados limites que consideramos razoáveis ou que interferem com o bem-estar dos outros elementos da família.

Só quando a criança está mais calma é que se torna possível e desejável conversar com ela sobre o seu comportamento e reacção. Devemos assegurar-lhe que compreendemos que em muitos momentos ela não consiga fazer melhor, mas sempre que tal acontecer iremos impedi-la de agir dessa forma.

Encontrar um equilíbrio nesta dinâmica é dos desafios mais difíceis que muitos pais têm que enfrentar!

Os comportamentos impulsivos ou desafiantes dos filhos geram uma exaustão nos pais que reagem de forma impulsiva, intransigente ou agressiva, ou ainda sobreprotegendo, fazendo sobressair uma ausência de tolerância ou compreensão pelas reacções da criança. Esta disparidade nas respostas parentais transmite incoerência e contradição, tornando a criança mais insegura, aumentando os seus comportamentos de desafio, o que espelha o seu sofrimento interior.

Seja qual for o estilo de reacção parental, ouvimos frequentemente “Já tentámos de tudo! Não sabemos o que podemos fazer mais. Ele ganha sempre.”

A família parece ter-se instalado num ciclo onde as relações entre alguns dos seus elementos assumem muitas vezes um carácter de luta ou batalha, e onde quase sempre os filhos saem vencedores pelo cansaço e desgaste sentidos pelos pais. Este pode ser um bom momento para os pais procurarem o médico pediatra da criança para discutirem com ele as suas dificuldades e solicitarem orientações. É comum o pediatra poder fazer a orientação da família para um ou vários técnicos de saúde mental – psicólogo, terapeuta familiar ou pedopsiquiatra – consoante as preocupações e dificuldades de cada criança e família.

Estes períodos em que a família procura ajuda ou apoio, traduzem a sua boa capacidade de aceitação ou reconhecimento das suas limitações. Ter esta sensibilidade e capacidade vai ajudá-la a parar, para em conjunto... voltar a reinventar-se.