João Cordeiro

Incentivos de natalidade para pais totós

Sou mulher, quero ter mais filhos e vivo em Portugal. «Ora, Dona Sofia! Junte-se a nós. Temos em cima da mesa uma proposta de incentivo à natalidade que é mesmo boa para si! Vai poder ter quantos filhos quiser. É boa parideira?» Sou, sou, a minha miúda nasceu rapidinho.

«Até os seus filhos terem 12 anos vai poder trabalhar em part-time. E ainda recebe 60% do seu salário para ficar em casa. Supimpa, hem?!» Hum… Mas essa proposta não existia já com a opção de se receber 50% do salário? «Ora, mas agora estamos a dar mais 10%, dona Sofia!» Desculpe, mas estou baralhada, você disse que era político ou bancário?

«Querida mãe, já imaginou o tempo que vai poder passar a brincar com os seus filhos e a acompanhar de perto a sua educação?» Sim, e isso seria óptimo mas aqui entre nós que ninguém nos ouve, vai ser uma canseira! No trabalho é que eu descanso… Mas esclareça-me: essa medida não é só para os funcionários públicos? «É. Mas temos de começar por algum lado. Filho a filho é que se cria o povão».

Calma, ainda somos Europa. E acha que as mães e pais podem prescindir de 40% do ordenado? «Pois claro! Podem começar por poupar na gasolina...» Ah, ah, ah! Está enganado. Então se vão de manhã ao emprego, gastam na mesma. Contabilista é que você não é com certeza.  «Então poupam no almoço. Isto de comer fora todos os dias é uma renda». Mas as pessoas já levam marmita para almoçarem no emprego. «Nem todas. Os meus colegas da Assembleia vão sempre aos bifes lá ao lado... Mas já sei! Quando as pessoas passarem a trabalhar meia jornada também podem passar a comer pela metade». Você é genial, realmente. Passam a pedir meio bife? «Não, só almoçam. Deixam de jantar e aproveitam para ir cedinho para a cama. Até porque estão cansados de aturar os filhos durante o dia e precisam madrugar para apanhar o autocarro, que é mais barato comprar o passe do que gastar gasolina. Vê como tudo faz sentido? Então, vai votar em mim, ou não?»

Vou, vou já a correr. A minha filha faz castelos na areia melhor que você. E eu desconfio que essa meia jornada da função pública já está em funcionamento há anos. Porque sempre que me dirijo a um balcão do cidadão, das finanças ou do centro de saúde, sabe o que acontece? Senha 226. É um número bonito até chegar aos dois funcionários em serviço. Portanto, fazem bem em deixá-los ir para casa no turno da tarde e em vez de fecharem às 16h, fecham logo às 12h30. Vai ver o que vão poupar. Você é iluminado, não quer ser meu patrão?

É que eu não sou funcionária pública e já tenho 40 anos. Por acaso não tem aí uma medidazinha para a maioria dos portugueses que querem ser pais e trabalham no sector privado? «Ah, ah! A dona Sofia é brincalhona. É o ensino pré-escolar, não é?! Está tudo pensado, vamos propor que seja universal a partir não dos 6, não dos 5 mas dos 4 anos de idade! Hem? Tome lá mais 2 anos de escolaridade grátis.»

Boa, onde é que está a câmara para eu sorrir? Finalmente uma medida ao encontro do que os pais precisam: onde pôr os miúdos sem ter de pagar 350 euros mensais. Sabe o que podia propor para ganhar eleições? Alargava o período de licença parental dos 4 meses para 4 anos. Assim à grande. Assim à Europa do Norte. E assim batia certo com o período de entrada para a escola pública. Vê como tudo faz sentido?

Sentido é os incentivos irem ao encontro das aspirações. Para incentivar a natalidade talvez seja boa ideia começar por atribuir condições às criancinhas e paizinhos que já cá andam. Porque os jovens de 20 anos não se inspiram no modelo de vida dos pais de 30 ou 40 anos. Olham para eles e correm a comprar preservativos. Dispensam a oferta de 500 euros que algumas câmaras atribuem por cada bebé nascido. Não lhes ocorre reduzir o seu primeiro ordenado mínimo para metade do valor e irem para casa fazer bebés.

Mais que a natalidade, há que incentivar as condições da infância. Mudar o alvo dos bebés que ainda não nasceram para os que já choram a plenos pulmões na lista de espera para entrar na creche. Uma infância em condições faz mais pela natalidade do que a passagem de ano.