Na ponta da língua

O restaurante de peixe que existe na sua imaginação existe na realidade, fica em Setúbal e chama-se O Batareo
Há dez anos que não ia à casa onde comi o melhor peixe da minha vida: o Batareo, em Setúbal, ali à frente do cais do ferryboat para Tróia.
Comecei a duvidar que existisse. Parecia bom de mais para ser verdade. O pai João pescava (e grelhava com perfeita pontaria) os peixinhos. O filho João e a nora Paula recebiam e atendiam com tanta hospitalidade que um lisboeta só pode descrever como amizade.
Não tem nenhum defeito, excepto talvez só estar aberto para o almoço. Mas mesmo isso dá-lhe um ambiente soalheiro, sem rotinas nem cansaços, de um restaurante de família que é genuinamente feliz.
Claro que em Setúbal é muito difícil não comer bem – nunca ouvir dizer mal de um restaurante setubalense – mas, mesmo assim, o Batareo é especial.
O peixe é fresquíssimo e bem grelhado – como acontece nos melhores restaurantes de Setúbal – mas também é celebrado, com orgulho, como o milagre que é.
Em Lisboa come-se muito peixe que não presta e os nossos paladares contentam-se com pouca coisa. Somos pouco exigentes e há quem ache maravilhoso comer um peixe grelhado qualquer que seja fresco.
No Batareo o peixe é fresquíssimo. Nem há batotas: está todo ali à vista, mais os muitos mariscos do estuário do Sado a que os setubalenses chamam, desconcertantemente, rio. Embora sejam peixes, moluscos e mariscos de mar, como é óbvio. Quem tenha tomado banho no rio Sado - por exemplo, numa das praias de Tróia - sabe que a água é salgada, por ser diariamente refrescada pelo oceano Atlântico.
Perguntei nervosamente se tinham peixes de rio mas claro que não tinham. A situação de Setúbal é gloriosa – rio, mar, estuário, serra da Arrábida – mas é também a melhor possível para o peixe.
Foi no Batareo que comi as melhores vieiras e ouriços da minha vida. Mas ultimamente não tem havido. O que há é barriga de atum (ventresca) tão boa como aquele que vai para o Japão. E, por esta altura do ano, os mais deliciosos salmonetes.
Os salmonetes que se comem fora de Setúbal e de Sesimbra não merecem chamar-se salmonetes. Os salmonetes que há no Batareo sabem mesmo a salmonete: um sabor subtil que é o melhor que um peixe pode ter. As águas ali são tão limpas que não passa nada de aziago pelos estreitos dos bonitos peixinhos.
A cozinheira, de cujo nome criminosamente não me lembro, é prendadíssima. As saladas, servidas como se fossem banais, são espectaculares e temperadas com perfeição. As batatas cozidas, espalhadas com orégãos num belo azeite, são obras-primas.
Há grandes restaurantes que servem bom peixe com acompanhamentos mal pensados ou assim-assim. No Batareo nada é assim-assim. Tudo é o melhor que pode ser. Não há muita escolha – é o que dá ter só o melhor peixe e mariscos do dia – mas a meia-dúzia de peixes que há é tão tentadora que acaba por ser um suplício ter de escolher.
Até os doces são esplendorosos. Mesmo com as barrigas cheias de peixinho não se consegue resistir à última garfada de sericaia, generosamente baptizada com calda de rainha-cláudia de Elvas, assistida pela respectiva ameixa.
As pessoas que lá vão almoçar estão todas bem-dispostas, a gostar do que estão a comer. É pena falar-se pouco na frequência dos restaurantes, dada a importância que têm os demais clientes no ambiente de uma casa.
O Batareo parece a casa de família do João e da Paula e a clientela parece constituída pelos melhores amigos da família. Parece um exagero mas não é. Há ali um entusiasmo, um orgulho, um brio que se transmitem para o nosso prato e para o nosso bem-estar.
O Batareo poderia cobrar preços altos pela alta qualidade do que serve. Mas prefere ter a casa cheia, com preços baratos e uma clientela genuína, a transformar-se num restaurante de culto, cheio de peregrinos do Santo Graal.
E mais uma última coisa: fartou-se de melhorar nos dez anos em que não pude lá ir. O serviço está tão optimizado que há tempo para tagarelar e brincar com os clientes.
É um grandecíssimo prazer ir almoçar ao Batareo. Por muito bem habituado que esteja a peixe grelhado (que eles dizem “assado”), prepare-se para ficar maravilhado.
Sim, o Batareo existe mesmo. Parece incrível mas é verdade.
Rua das Fontaínhas, 64, Setúbal
Tel: 265 234 548
Só abre para os almoços, do meio-dia até às 15h30m.