Paulo Pimenta/Arquivo

Peso&Medida

Correr por uma causa ou a causa de tantas corridas?

A promoção de eventos mobilizadores da população utilizando a atividade física representa uma mudança de paradigma.

O leitor mais atento aos meios de comunicação social já deve ter reparado que, nos últimos tempos, parece ter aumentado a existência de dias comemorativos, a muitos propósitos, assinalando a importância de se pensar colectivamente uma determinada condição. Só na área da saúde, o calendário marca 59 dias comemorativos, desde a obesidade, a vários tipos de cancro, até dezenas de outros tipos de condições clínicas (crónicas e agudas). Fenómeno paralelo, igualmente interessante e com crescimento exponencial, é o das corridas populares. De facto, uma grande maioria dos dias comemorativos são assinalados e vividos através da participação numa corrida associada àquela causa específica (e.g. Corrida Contra o Cancro; Corrida Pirilampo Mágico, etc.).

Crónicas anteriores já se debruçaram sobre o fenómeno da corrida  e sobre os motivos ligados à saúde como potencialmente contraproducentes para a prática de exercício. No entanto, este fenómeno, o de correr por uma causa, é merecedor de uma atenção especial. Desde logo porque se escolhe uma atividade física para assinalar algo relevante socialmente, o que tem implicações interessantes. Importa então sublinhar a existência de uma nova tendência, a de dar visibilidade a uma causa através da prática de exercício físico. Seja pela corrida, ou pela opção de caminhada que a costuma acompanhar, assiste-se a uma valorização crescente da expressão motora e dos seus benefícios.

Longe começa a ficar a tradição de assinalar estes dias simplesmente com palestras ou campanhas nos media, incluindo mensagens-chave com cariz ameaçador e potencialmente contraproducente como meios de consciencialização da população e sensibilização para alguns riscos (“Fumar mata”; “No coração de um obeso está uma bomba prestes a rebentar”). A promoção de eventos mobilizadores da população utilizando a atividade física representa uma mudança de paradigma. De facto, a disseminação de corridas nestes dias comemorativos pode ter implicitamente associada a ideia do desafio, de capacidade, de objectivos superados.  Por exemplo, a ideia de que há um caminho, um determinado percurso que cada um terá de percorrer, mas que o pode fazer ao seu ritmo, de acordo com a sua condição, e que a superação é uma possibilidade sempre presente. Estabelece-se assim um meio divulgador pela positiva, potencialmente atrativo para todos, conforme o atestam os crescentes números de inscritos, chegando muitas vezes as  vagas a fechar por excesso de participantes.

Precisamos de causas que nos façam “correr”? No âmbito da prática das atividades físicas, a investigação científica tem sublinhado que é fundamental dar um significado à ação e que ameaças e pressões externas não se ligam a comportamentos continuados no tempo, estando os motivos de ordem mais interna ligados a maiores índices de prática e sua manutenção no tempo.  De forma curiosa, e ainda que o prazer, a diversão e o gosto sejam muitas vezes idealizados como os melhores “motivadores” para um determinado comportamento, não tem necessariamente de ser assim. De forma bastante curiosa, a investigação tem demonstrado que por vezes, nem sequer são os melhores preditores do comportamento. Motivos mais ligados ao significado e valorização pessoais (mesmo que ligados a algum esforço ou sofrimento) podem ser motores ainda mais seguros. De forma simples e desafiadora, quase se poderia afirmar: “não tens necessariamente de gostar, mas tens que encontrar uma razão que te faça particular sentido”. E essa razão só mesmo cada indivíduo a pode encontrar. No entanto há causas especiais para toda a população. Causas que nos unem, que permitem criar laços e movimentos sociais. Causas que nos fazem sentir “especiais de corrida”.

Doutorada em Saúde e Condição Física, Psicóloga Clínica; Investigadora Associada, CIPER- Self-Regulation Group; Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa; Professora Auxiliar, FEFD-ULHT