Peso e Medida
Pesar ou não pesar: Será essa a questão?
A pesagem regular (ou diária) é mesmo uma estratégia de “peso” no controlo do peso?
No último artigo publicado nesta rubrica referiu-se que a monitorização regular do peso é uma estratégia comum a muitos portugueses que conseguem gerir o seu peso com algum sucesso. Numa pesquisa rápida pela Internet, encontramos muitas fontes que recomendam a pesagem regular como central para a perda do peso, e esta é uma ideia generalizada. Mas será que a evidência científica suporta estas afirmações? A pesagem regular (ou diária) é mesmo uma estratégia de “peso” no controlo do peso?
O que sabemos é que a pesagem pode ser útil para monitorizar as alterações do seu peso, mas não emagrece por si só. Num estudo publicado no International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, procedeu-se a uma revisão de 21 estudos clínicos com o objetivo de avaliar se a pesagem frequente seria uma estratégia eficaz na perda do peso. O único estudo que utilizou, de forma isolada, o incentivo à auto-monitorização do peso não encontrou efeitos significativos na sua redução. Já os estudos que utilizaram o incentivo à pesagem enquadrado num programa de mudança comportamental, que inclui outras estratégias de apoio à mudança de comportamento (por exemplo, estabelecimento de objetivo e planos de ação), tiveram um impacto significativo na redução do peso.
O que pode ajudar a explicar este resultado? Em primeiro lugar, se é verdade que a pesagem pode ajudá-lo/a a reconhecer as alterações no peso, a balança não traz um plano de mudança comportamental incorporado, isto é, não nos explica o que fazer, nem como mudar os nossos hábitos. Ora, no caso da gestão do peso, a investigação mostra que a chave do sucesso é o envolvimento continuado em comportamentos protetores de saúde - os chamados estilos de vida saudáveis - como é o caso de uma dieta alimentar saudável e da prática regular de atividade física. A balança pode contribuir ou não para esse processo. Na medida em que sirva para conhecer de perto as alterações no peso, será útil. Pelo contrário, se a pesagem alimenta sentimentos de pressão e insatisfação constantes, além de não ser útil pode até dificultar o processo.
Se a atividade física e a dieta têm um papel essencial, parece fazer sentido que a auto-monitorização possa ser focada não só no peso mas também nestes comportamentos, e até mesmo nos fatores psicossociais que os favorecem. Ilustremos esta ideia com o caso dos resultados escolares. Se um aluno estiver focado principalmente na monitorização de resultados (as notas), e não no método de estudo que utiliza (o número de horas de estudo, o local, os apontamentos), isto é, se não monitorizar o processo, como é que poderá manter o desempenho ou fazer as alterações necessárias no seu método de estudo para obter um melhor rendimento escolar?
O mesmo princípio se aplica à gestão do peso. A auto-monitorização não se restringe ao resultado (neste caso, o peso), mas abrange também aos comportamentos que levam à perda e manutenção do peso perdido. Vários estudos verificaram que a monitorização, através por exemplo da utilização de pulseiras de monitorização de atividade ou de diários alimentares, leva a uma melhoria dos comportamentos que contribuem para a gestão do peso. O objetivo desta estratégia, que tem revelado ser eficaz na mudança comportamental, é principalmente o de ajudar a pessoa a compreender o seu progresso em relação a um objetivo previamente estabelecido (por exemplo, aumentar os níveis de atividade física para uma determinada meta).
Em segundo lugar, os programas de mudança comportamental, que são hoje uma parte fundamental das recomendações de tratamento e prevenção de excesso de peso/obesidade, incluem vários métodos dirigidos a fatores psicossociais que estão associados aos comportamentos de saúde e que já foram abordados, por exemplo, no artigo “O mistério das pessoas determinadas”. Entre esses fatores incluem-se a existência de Oportunidade (acesso viável a bom contexto e recursos), Capacidade (possuir competências e conhecimentos), e Motivação (bons motivos e vontade), para realizar o comportamento. A auto-monitorização integra-se na Capacidade, ao aumentar o conhecimento sobre o processo; e pode também ser um elemento motivador pelo desafio e até pelo gosto em manter um diário pessoal. É assim apenas uma de várias estratégias que podem ajudá-lo/a na gestão do seu peso. Outras estratégias incluem o acesso a informação adequada, exploração de motivos pessoais para a gestão do peso, estabelecimento de objetivos e planos de ação, cuidar da sua relação com o seu corpo cultivando uma boa imagem corporal (a qualquer peso), e não fazer restrições alimentares muito rígidas.
Uma outra questão comum é: “Com que frequência me devo pesar?”. A resposta científica não é conclusiva. Na investigação mencionada no início deste texto não se encontraram diferenças significativas entre a pesagem semanal e a diária. Outros estudos apresentam resultados inconsistentes. Na dúvida, a nossa experiência clínica e a aplicação de alguns princípios consensuais (p.ex., individualização) sugere que cada pessoa encontre a sua fórmula. Com exceção de nunca se pesar (ou nunca monitorizar alterações de outra forma como através da roupa) – o que não é recomendável – a experiência ensina que se pode ter sucesso com pesagem diária, semanal, ou até quinzenal.
Em suma, em relação à pesagem, podemos arriscar dizer que os melhores resultados dependerão da preferência de cada pessoa e do impacto desse comportamento em si. Se, por um lado, a pesagem ajuda a monitorizar o seu progresso em relação a um objetivo de peso, por outro, pode potencialmente ter um impacto negativo. Assim, antes de encomendar uma nova balança, reflita sobre o papel que a pesagem tem para si e não se esqueça que há vida para além do número na balança.
Psicóloga da Saúde e Investigadora na Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa