Peso & Medida
“Sim Sr. Doutor! É como achar melhor”
Quando pedimos aos outros que escolham por nós, é mais provável que desistamos antes da meta.
Quantas vezes se delegam decisões – que só a nós deveriam caber – a outros, apenas pelo facto de lhe reconhecermos essa autoridade? Alguém passa a decidir por nós um plano de exercício ou nutricional, determinadas terapêuticas e a lista poderia continuar, cada vez mais específica: o que vestir, o que ler, que sítios frequentar…
O problema é que, apesar de nós termos dado ao outro a escolha sobre o nosso curso de acção (“diga-me o que fazer!”), acabamos por resistir, mesmo quando dizemos que sim, adiando, criticando, identificando mil e uma barreiras. Contrariar soluções impostas é uma tendência humana natural e o caminho dos conselhos externos (quando não encontram ressonância interior) é mesmo o de serem sentidos como intromissões. Tal parece paradoxal, afinal não fomos nós que os solicitámos?
O estudo da natureza humana e do seu desenvolvimento tem cada vez mais evidenciado uma essência agêntica, uma tendência inata para integrar experiências, dar significado às vivências, procurar relações entre as coisas e com as pessoas. Integrar-se e ser integrado.
Então, por que tantas vezes não queremos tomar a iniciativa, assumir a escolha, procurar alternativas? Por que obrigamos ou seduzimos outros para que decidam por nós? Muitas vezes, tal esconde alguma percepção de falta de competência e capacidade face àquele curso de acção, outras, uma necessidade de agradar ao outro por medo de perder a sua estima. O primeiro caso está particularmente presente em contextos, como os clínicos, em que a assimetria de papéis e saberes é muito marcada, por exemplo, em que o médico, o nutricionista e até o fisiologista de exercício têm um saber cientifico e técnico acerca dos fenómenos muito superior ao de quem os procura. Contudo, assumir essa diferença não tem de implicar que o técnico saiba o que é melhor para o seu cliente. Talvez uma parceria epistemológica aqui fosse bem mais vantajosa, juntando ao saber clínico a visão e sentir do seu cliente, suas formas de ser, estar, e de ver o mundo, seus condicionalismos e potencialidades que tantas vezes tornam cursos de acção, que pareciam tão óbvios, impossíveis de adoptar ou manter.
Dar as rédeas do nosso processo ao outro, para além de trazer muitos bloqueios e barreiras (depois do “sim”, surgem muitos “nãos”), vai contribuir para o perpetuar de estilos de comunicação mais controladores por parte dos que nos rodeiam, sejam técnicos de saúde, de ensino ou simplesmente amigos. Já se perguntou sobre que motivos podem estar na base de quem o aconselha?
Estudos sobre técnicos com estilos de comunicação e intervenção mais controladores e autoritários têm demonstrado que estes sentem, eles próprios, esse controlo e pressão a muitos níveis. Desde logo, por parte dos seus clientes, que muitas vezes os confrontam com a necessidade de serem eles a assumir o processo, com a contrapartida de passarem a ter a responsabilidade sobre o facto de este correr bem ou mal; das próprias organizações e estruturas laborais onde estão integrados, que esperam ver resultados mensuráveis e os pressionam com número de atendimentos (sempre mais em menos tempo), vendas (por exemplo, no caso dos ginásios) e até indicadores do processo do cliente (por exemplo, quilos perdidos) através dos quais eles próprios são julgados e também a pressão que o próprio profissional exerce sobre si mesmo, colocando a si objectivos que apenas ao outro deveriam caber.
Peso perdido, horas passadas no ginásio, adesão a determinados pacotes de treino ou de consultas, calorias ingeridas (ou deixadas de ingerir) passam a ser objectivos últimos, afinal eles dão resposta a todas as pressões que tanto atormentam os profissionais. Dão a ilusão de um controlo sobre o processo, satisfazem chefias e organizações quando transformados em atractivas médias e rácios, e permitem satisfazer também o ego profissional. Mas fazem perder o processo e a pessoa, para a qual o conceito de sucesso poderia significar coisas muito diferentes, por exemplo, menos horas de ginásio mas com mais satisfação?
Temos assim, muitas vezes, profissionais tão investidos no nosso processo que parecem querê-lo mais do que nós. E não é que às vezes querem mesmo? Não admira que, por vezes, fiquemos pelo caminho…
Psicóloga clínica e investigadora
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa