Peso&Medida
É melhor correr acompanhado?
“Corre muito e com frequência, mas não corras mais do que o teu prazer de correr”, Julie Isphording, maratonista norte-americana.
São hoje às centenas os grupos de pessoas que semanalmente se juntam para correr em vários pontos do país. Alheios às intempéries e aos problemas do quotidiano, grupos mais espontâneos ou mais organizados, com ou sem equipamento distintivo, correm de norte a sul de Portugal. Existem grupos de corrida para solteiros, grupos de amigos que organizam corridas (o scalabisnightrace.pt, por exemplo), grupos que se juntam em redor de determinada causa conjugando o treino da corrida e as provas com a angariação de fundos (corridadamulher.com e terryfox.org), promoções com fins comerciais e até redes sociais onde se partilham preferências e eventos, servindo de ponto de encontro a quem treina por sua conta (playnify.com e running.meetup.com).
Para correrem em grupo, estes “atletas acidentais” alegam razões de segurança, troca criativa de ideias, motivação acrescida pelo grupo, compromisso para o treino em equipa, partilha de conhecimentos, gosto pela sã competição, oportunidades de negócio e conversas de trabalho, expansão do círculo social de amizades, conhecer um parceiro para a vida ou até correr por uma causa superior. Embora se mantenha informal e varie de grupo para grupo, existe um simples código de conduta para quem corre com companhia: não se isolar na sua música, deixar o cão em casa, ter pelo menos uma história para partilhar e nunca esquecer quem ficou para trás. E, em caso de corrida contra o vento, alternar a liderança!
Esta tendência social, potenciada em parte pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicação e redes sociais, pode ser explicada à luz de várias teorias sobre os comportamentos ditos “de saúde”, como a actividade física. De acordo com uma dessas teorias, os seres humanos têm como necessidades psicológicas essenciais a procura de sensações de autonomia, competência e relacionamentos positivo e vários estudos encontram associação entre o comportamento autodeterminado, a diversão durante a actividade física e a sua estabilidade no tempo.
Numa prática como a corrida em grupo, as necessidades de autonomia (decisão própria e livre de pressões), competência (sentir-se capaz de correr de acordo com as suas metas) e relacionamento (estabelecer ligações sociais significativas com seus pares) podem facilmente ser satisfeitas. De facto, a evidência aponta para que ideais colectivos que promovam o empenho na tarefa se relacionem com o domínio de técnicas e o desenvolvimento das capacidades individuais, em oposição a ideais centrados na comparação social e no alcance de uma norma, contribuam para a satisfação das três necessidades referidas, para a motivação de boa qualidade, e para o prazer associado à actividade.
Como em tantos outros fenómenos colectivos, muitas podem ser as diferenças de indivíduo para indivíduo pelo que os benefícios associados podem não ser sentidos da mesma forma por todos estes corredores. A raíz desta diferença pode estar nos seus objectivos. Se para muitos os objectivos se prendem com afiliação, partilha de experiências, maior autoconhecimento e gosto pelo desafio saudável, outros haverá que, escudados nesta pretensa alegria de correr em grupo, estarão, de forma mais ou menos consciente, interessados sobretudo em melhorar a sua aparência, a usar a corrida de forma rígida para controlar o seu peso ou movidos pela conquista de “medalhas” e pelo reconhecimento de terceiros. Embora orientações deste género, mais externas, sejam suficientes para iniciar a rotina de exercício, a investigação sugere que são menos estáveis e que originam menos sentimentos de satisfação e bem-estar decorrentes da actividade, pois não preenchem as necessidades anteriormente descritas. Por vezes, são o que melhor explicam expressões como “perdi a motivação e não sei porquê...”!
No que ao correr em grupo diz respeito, talvez seja importante pensar nos seus “porquês” e procurar integrar neles metas que possam conduzir a um maior sentimento de liberdade e expressão pessoal, ao desenvolvimento de competências pessoais e a um fortalecimento da afiliação a um grupo. A comunhão de objectivos, percursos, adversidades, conquistas e celebrações está presente na corrida como na vida. Disfrute!
Fisiologista do exercício e Personal trainer
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa
hpereira@fmh.utl.pt