Peso&Medida
“Já viste que gorda que ela está?!”
Com a chegada do tempo quente, as roupas curtas e a praia ditam corpos mais à vista e são frequentes os comentários como "ai, ao que ela se deixou chegar", "estás mais cheínha!", ou "já viste como está gordo o Zé - assim de calções de banho é que se nota", acompanhados de uma cotovelada ao parceiro de toalha, cúmplice nestas especulações raramente lisonjeiras sobre formas e tamanhos.
Porque é que o excesso de peso dos outros nos incomoda tanto? Porque “não é saudável” e se não dissermos nada “ainda é pior”, dirá o leitor de pronto. Será?… Nesse caso, porque não nos preocupamos mais a jusante? Como está a vida daquela pessoa? Qual o seu contexto laboral, familiar, ambiental e social (e até genético)? Qual o seu sentir face ao corpo e ao peso? Imaginaremos nós que as pessoas são “gordas” porque querem - e, se quisessem, qual seria o nosso problema? Porque não se controlam ou não cuidam de si?
Estarei eu à vontade para me relacionar com pessoas de todos os tamanhos? Que estereótipos tenho? Faço atribuições acerca do carácter, inteligência, sucesso ou até comportamento das pessoas com excesso de peso? Porque é que para tantas outras características das pessoas que me rodeiam (raça, religião, orientação sexual) procuro aceitar as pessoas como são e não fazer juízos de valor acerca das suas escolhas, mas, no que diz respeito ao peso, não é assim?
Sabe-se que, enquanto outras formas de preconceito e discriminação associada não são aceites socialmente, o estigma face às pessoas com excesso de peso não só é tolerado como encorajado, como se tivesse uma função útil e protectora (“Temos que dizer algo, Há que fazer alguma coisa, se não é pior”). Não temos - pelo contrário! A evidência científica mostra que a pressão social e o sofrimento que os olhares e os comentários “bem intencionados” comportam não contribuem para alterações positivas, podendo até levar ao evitamento de contextos ligados ao exercício (por vergonha da maior exposição do corpo) e a uma pior relação com a alimentação, com maiores episódios de descontrolo alimentar e culpa associada.
Posto isto e, admitindo que o objectivo possa ser realmente ajudar a pessoa a pensar, falar e considerar o que pode ou não ser alterado no seu estilo de vida e no seu peso, como abordar a questão?
É importante optarmos por falar no assunto apenas quando tivermos a certeza de que o estamos a fazer pela pessoa e não porque associamos certas características (é gulosa, preguiçosa, menos solícita e proactiva, mais indolente e, portanto, menos desejável social, profissional e emocionalmente…) ao seu peso.
Já alguma vez pensou sobre se valoriza mais o comportamento ou o corpo que o acompanha? Por exemplo, não é o acto de ingerir um grande bolo cheio de açúcar que julga, mas a pessoa que o faz? Se for uma pessoa magra até é um quadro amoroso, mas se for uma pessoa com excesso de peso isso vale um forte abanão de cabeça. Se vir uma pessoa magra parada nas escadas rolantes não pensa no assunto, mas se for uma pessoa com visível excesso de peso já pensa “porque não foi pelas escadas?”.
Decorrente desta reflexão, impõe-se também a necessidade de maior abertura e sensibilidade à forma como o outro sente o seu corpo (magro ou gordo). Não é porque desde sempre ouviu um amigo(a) brincar com a grande barriga que tem ou com as ancas ou peito maior que ele terá tanto à vontade e leveza na abordagem desses conteúdos como aparenta. Pelo contrário, muitas vezes o tocar constantemente nesses assuntos só serve para evidenciar o sofrimento envolvido. É a lógica do "antes que outros ataquem, ataco eu".
Neste sentido, algumas sugestões para como abordar o assunto:
1. Comece por perguntar à pessoa se se sente confortável em falar sobre o seu corpo e peso.
2. Evite “expor” a pessoa ao abordar o assunto em grupo.
3. Ter atenção à comunicação não verbal - olhares, tons de voz, exclamações ou silêncios. Já reparou onde se prende o seu olhar quando fala?
4. E, finalmente, atenção à comunicação verbal. Nem sempre pensamos nisto, mas há palavras que assumem atribuições implícitas carregadas de sentido negativo (por exemplo, ter “falta de auto-controlo” ou “pouca força de vontade”, implicando que se é “fraco”). Estas podem ser substituídas por expressões mais neutras que não vão ser encaradas pelo outro como acusadoras ou fontes de pressão e sofrimento desnecessários.
E, já agora, se o objectivo do comentário é mesmo positivo, porque não pensar nas actividades sociais que dinamizamos? Porque é que tendencialmente combinamos actividades sociais sedentárias e à mesa (jantar, almoçar, tomar café)? Porque não passar a combinar apenas passear, percorrer um parque natural, fazer jogging, dançar ou ir conhecer aquele ginásio para assim pôr a conversa em dia? Talvez valesse mais que muitos comentários.
*Psicóloga e investigadora, Faculdade de Motricidade Humana