Lucy Nicholson / Reuters

Peso&Medida

O homo sapiens adora Big Macs

É comum pensarmos que enquanto seres humanos nos fomos tornando preguiçosos e desleixados, que “no tempo dos nossos avós é que era”, que estamos cada vez mais glutões e gulosos e, por isso, mais gordos enquanto população. Costumamos então perspectivar estas características humanas como falta de “força de vontade” e até como uma certa falha moral.

Gostar de comer e descansar passou a ser encarado como um pecado que nos torna menos meritórios e nos responsabiliza pelas consequências que possam advir para o nosso peso. Generalizamos inclusive muitas vezes para além das questões do peso e da saúde, considerando que esta nossa indulgência perante a comida diz muito de nós enquanto pessoas.

Olhando de outra perspectiva para a espécie humana e para a sua evolução nos últimos milhões de anos, podemos perguntar-nos se a nossa natureza se terá alterado assim tanto… Será que a preguiça e a gula não terão sempre feito parte da nossa forma natural de estar no mundo (mas com muito menos oportunidades para se manifestar), tendo representando até uma vantagem evolutiva?

Se recuarmos a épocas ancestrais, o meio ambiente, considerado hoje como “hostil”, exigia ao ser humano um dispêndio energético muito elevado (por exemplo para caçar, cultivar, lutar para defender o clã, entre outros desafios muitas vezes quotidianos). Havia por isso que descansar sempre que possível, até porque a ingestão de alimentos podia ser incerta, para além de pouco densa caloricamente. Assim, a apetência para parar e descansar (a “preguiça”) e para comer sempre que a oportunidade surgir (a “gula”) começou por se apresentar como um mecanismo central para a nossa sobrevivência enquanto espécie.

De forma inteligente, a nossa fisiologia desenvolveu mecanismos para se proteger e sobreviver. Pensemos por exemplo no desenvolvimento da capacidade para reduzir o metabolismo como resposta a um balanço energético negativo. Mecanismos que configuraram respostas a um meio e desafios que há muito se alteraram, sobretudo nas últimas décadas…

Será que alguma vez já nos ocorreu pensar que, enquanto espécie, estamos no sítio errado, na hora errada? São óbvias as diferenças entre o meio actual (e que na história humana é muitíssimo recente) e o nosso ambiente ancestral, diferenças que tornaram a nossa biologia desajustada. O que durante séculos constituiu uma vantagem evolutiva age, hoje em dia, contra nós.

A oferta alimentar é hoje barata, acessível, abundante, muitas vezes com elevado conteúdo calórico e servida em grandes quantidades (os menus XXL!), e vendida com muita cor e mensagens alegres associadas. Num meio onde a necessidade de gastar energia corporal é quase inexistente, de que nos servem os mecanismos que por tantos séculos nos protegeram? Claramente, a nossa fisiologia não conseguiu acompanhar a rápida evolução das mudanças ambientais, criando um desajustamento muito difícil de gerir e responsável por uma visão pessimista do ser humano como não querendo assumir as rédeas do seu processo ou tendo “falhas de carácter” ligadas à falta de autodisciplina ou força de vontade.

Para perder peso ou para mantê-lo dentro de um intervalo saudável “é só comer menos e mexer-se mais” dirá o técnico de saúde ou o familiar bem intencionado… “Só”?!!! Quando conseguiremos perceber que esta equação tem muito mais que dois componentes (a alimentação e a actividade física)? A nossa natureza e a forma como evoluiu é só mais uma das peças para a compreensão do difícil puzzle da gestão do peso corporal. Será que alguém as conhece todas?!

*Psicóloga e Investigadora, Faculdade de Motricidade Humana