• REUTERS/Benoit Tessier
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Raf Simons para Dior Haute Couture

Há um belga na Avenue Montaigne

É o sucessor na casa Dior da imaginação fértil e sensual do ex-punk John Galliano. É o coleccionador de arte contemporânea, o tímido obcecado pela cultura juvenil. Minimalista e romântico. Raf Simons é o novo director criativo da maison Christian Dior e encontra Paris num momento em que tudo pode mudar na moda feita pelas marcas de luxo.

Raf Simons? Pense em grandes vestidos de algodão com riscas azuis e brancas. Pense em T-shirts com riscas entre o escuro e o garrido. Pense em cores vivas usadas a solo ou em conjunto, límpidas. Ou numa malha com Picasso. Estas peças, usadas por estrelas da música ou de Hollywood e copiadas mundo fora, foram um pedaço do impacto que Raf Simons teve na moda nos últimos anos. Agora, Raf Simons, desconhecido para as massas, pérola para o público-moda, salta para a alta-costura e para o luxo. E directamente para a casa de partida, na Dior. A carreira global de um belga de 44 anos começou esta segunda-feira, com a apresentação do seu primeiro desfile para a Dior. 

O criador deixou a sua Antuérpia, onde reside e trabalha parte do ano, rumo a Paris. O seu novo escritório fica na sede da maison Dior, na Avenue Montaigne, e foi ali que preparou a sua primeira colecção para a Dior — e logo para um desfile na selecta Semana de Alta-Costura de Paris - de 1 a 5 de Julho. Retira a marca das mãos temporárias de Bill Gaytten, o número dois de John Galliano, que durante o último ano segurou as rédeas da criação na Dior após a saída do criador britânico. Nesse “embaraçoso interregno”, nas palavras do Libération, não só Galliano saiu após um escândalo por ter proferido insultos racistas e anti-semitas quando era filmado por um telemóvel, mas o mundo também assistiu a um carrossel imparável de especulação sobre o nome que lhe iria suceder.

Marc Jacobs (da Louis Vuitton, que tal como a Dior pertence ao grupo de luxo Louis Vuitton Moët Hennessy — LVMH), Riccardo Tisci (da Givenchy), Alber Elbaz (Lanvin), Nicolas Ghesquière (Balenciaga), Jason Wu, Haider Ackermann ou Alexander Wang foram alguns dos nomes falados para o cargo. Poucos terão, de facto, sido auscultados e negociado com a Dior. A superestrela americana Jacobs e o jovem francês Maxim Simoens terão sido os que mais longe chegaram.

Mas só Simons, entre os muitos que terão enviado os currículos ao patrão da Dior, ganhou o lugar. Até Fevereiro estava na conceituada e conceptual Jil Sander. Não era um dos favoritos para substituir Galliano, mas era uma das mais sólidas apostas de alguma da mais sólida imprensa. É o sexto costureiro da história da casa parisiense, sucedendo a Saint Laurent, Gianfranco Ferré e a 15 anos de John Galliano. Quinze anos de desfiles inspirados no passado e quase épicos, a que agora se poderá seguir um novo estilo, mais moderno e puro, a olhar para o futuro num período de recessão que tende a pedir o melhor do minimalismo - peças-chave para manter no guarda-roupa por largos anos. Como se faz na Céline, a casa de moda parisiense liderada por uma sóbria britânica, ou como fará o esguio Hedi Slimane, recém-contratado pela Yves Saint Laurent (que pertence ao outro grande grupo do luxo, o PPR). Prevêem-se novas rivalidades na capital do luxo.

A culpa é de Tom Ford

É óbvio que a Dior considera Simons “um dos maiores talentos dos nossos dias”, capaz de “impulsionar o estilo icónico [da Dior] para o século XXI”. E também seria expectável que Raf Simons achasse que Christian Dior, morto em 1957, “era o costureiro mais inspirador do mundo” e que a sua casa é “magnífica”. O que era menos óbvio, embora identificado ao longo dos últimos anos, era que as suas três derradeiras colecções para a Jil Sander, onde trabalhou desde 2005 (além de desenvolver a sua própria linha masculina), fossem conhecidos como a “trilogia couture”, segundo os peritos. Ele tem uma explicação, dada à revista Love no ano passado: toda a gente falava no novo minimalismo e ele reagiu com maximalismo. E a primeira coisa em que pensou foi no exagero e nas proporções da couture.

Dias antes de apresentar a sua (última) colecção para a alemã Jil Sander, Raf Simons saiu do posto de director criativo com os habituais agradecimentos da casa de moda e desejos de boa sorte. A sua sorte, especulou-se de imediato no circuito moda, poderia ser grande: o posto mais alto na maison Dior continuava vago depois de John Galliano ter sido condenado na justiça, à qual disse estar a lutar contra a dependência de fármacos e álcool, alegando a pressão do trabalho cada vez mais intenso e o peso do estrelato.

John Galliano escolheu ser estrela. Como recorda o Instituto Francês da Moda no seu livro Vingt ans de système de mode o jovem britânico “levou a Dior a um nível de excentricidade sem precedentes: desfiles enormes, cenários de filmes como pano de fundo de peças totalmente desproporcionais, modelos transformados nas superestrelas de um mundo de fantasia”. A transformação de um desfile de alta-costura Dior num filme de corsários ou num sonho subaquático foi acompanhada pela própria transformação de Galliano, cada vez mais um pastiche físico de influências, quase uma imagem de BD faustosa que se viria a revelar impossível de manter.

No seu trabalho, “John Galliano desenvolveu um sistema para construir silhuetas na Dior com a sua [técnica] mix n’ match que mistura e combina diferentes padrões ou escalas enquanto, simultaneamente, tentava sempre chegar mais além em termos de visibilidade e de moda como entretenimento”, lê- se na mesma obra. A maison da Avenue Montaigne tinha um dos génios do século XX, sucessor improvável — mas um one man show adequado à era reality TV — do francês Christian Dior. A ausência de Galliano neste ano de interregno não se terá feito sentir das receitas da Dior (85 milhões de euros de resultados operacionais, mais do dobro de 2010), entre malas, acessórios, perfumes, jóias e uma profusão de linhas secundárias, de resort, cruzeiro e outros termos recentemente forjados. No fundo, a marca é mais forte do que o designer, por mais exuberante que este seja.

Mas Raf Simons, o belga, chegou à Avenue Montaigne não só sob uma chuva de elogios esperançosos, a conhecer mais à frente, mas também num fluxo que se desenha há muito no sector. Christian Dior será sempre indissociável do New Look — a colecção que apresentou em 1947, com o mundo saído da II Guerra, usando uma abundância quase imoral de tecidos numa silhueta de ampulheta, cinturas finas e saias volumosas. Estávamos na era do “costureiro”. Yves Saint Laurent, com apenas 21 anos, sucedeu a Christian na Dior e, juntamente com uma nova geração e uma nova cultura (juvenil) mundial, veria o nascer de uma nova era — a do “estilista”, vigoroso criador de impérios nas décadas de 1960 e 70; os anos 1980 pertenceram ao “criador”, às estrelas; e desde meados de 1990 ouvimos falar pela primeira vez de designers e, sobretudo, de directores artísticos de moda. A culpa é de Tom Ford.

O americano que ressuscitou a Gucci em 1994 e trouxe o sexy de volta à marca criou o “efeito Gucci” na moda: as casas de renome, talvez demasiado clássicas para virarem o século nessas condições, foram buscar novos designers para revitalizar a sua posição num mercado cada vez mais global. Eis Galliano, por exemplo, na Dior.

E agora, segunda década do século XXI, os grupos de luxo tentam a contracorrente — depois da explosão barroca de Galliano e sus muchachos (Gaultier, Jacobs, Lagerfeld, Versace), que tal tentar a submediatização? Contratar nomes menos conhecidos (Raf Simons não poderia, como Lagerfeld, vender no mercado de massas T-shirts com a sua cara estampada) para contrariar o lado operático que a moda ganhou nos últimos anos.

Tudo isto num meio que é cada vez mais marcado pelo combate entre a criação e a indústria, o sistema, a gestão, que parecem cada vez mais separados. Em que dois ciclopes, PPR e LVMH, os grupos do luxo, se digladiam discretamente enquanto levam um dos seus antigos jogadores para a equipa rival - Hedi Slimane, ex-designer Dior Homme (LVMH), foi contratado para a direcção criativa da Yves Saint Laurent (PPR). Foi também nesta última década que a Time fez capa com os impérios do luxo, com os trapos da Gucci, as malas Vuitton, a couture Dior ou a maison Givenchy nas mãos de poderosos magnatas.

Chegamos a Raf Simons, um minimalista que não tem medo do termo mas que o quer juntar a mais qualquer coisa. “É errado chamar-me apenas um minimalista. Também sou uma pessoa romântica”, disse ao jornal da especialidade Women’s Wear Daily após a sua nomeação para a Dior, onde promete não só dar o seu habitual purismo, mas também “feminilidade”. “O meu objectivo é uma Dior muito moderna, mas no fim de contas também olho para trás”, diz ao New York Times, admirando a arte e a arquitectura da década 1947-1957, em que Christian fundou a Dior.

Um belga, herdeiro dos Seis de Antuérpia, os grandes nomes da moda belga que tornaram um pequeno país numa grande potência da formação e da moda conceptual. Um homem discreto, avesso a entrevistas, uma anti-estrela. Um anti-Galliano. É talvez injusto, mas nos próximos meses a história de Raf Simons será mesmo escrita através de comparações com o seu antecessor, ou não fosse ele um iconoclasta. Tentemos contrariar a pulsão daqui em diante.

Raf no País das Maravilhas

As flores favoritas de Raf Simons são as orquídeas, as rosas e as túlipas. Gosta do ar livre, de montanhas, de mar. Nasceu numa povoação pouco central da Bélgica, a flamenga Neerpelt, a mãe empregada de limpeza e o pai militar. Licenciou-se em Genk em design de equipamento. Contudo, um desfile de Martin Margiela e um estágio com um dos Seis de Antuérpia (Walter Van Beirendonck) fê-lo pensar em roupa e começou a fazer moda masculina — em 1995, depois de se ter treinado com um alfaiate clássico, já tinha a sua marca e desfilava em Milão. Com uma queda pela moda de rua, pelos castings fora das agências de modelos e uma estética justa ao corpo e ligeira, em 1997 já fora convidado a estar na Semana de Moda de Paris.

Tem uma quase obssessão pela cultura juvenil e pela eterna adolescência, convencido de que nunca abandonamos o liceu. Fez colecções sobre “como falar com o seu adolescente”, outras sobre a “teenage angst”, sobre música e vida nocturna. O primeiro disco que comprou foi de Bob Marley, mas depois encontrou a sua banda sonora: Joy Division, Kraftwerk. Teve uma educação católica. É tímido. A sua casa, em Antuérpia, está envolta em verde, tem peças de design de mobiliário icónicas como uma cadeira Eames e as paredes cobertas de peças de arte contemporânea — elementos que levou já muitas vezes à passerelle — que colecciona e compra em eventos como a feira de arte Frieze, em Londres.

No seu currículo, lê-se: “A mensagem mais importante que Raf quer passar é: orgulho na individualidade”. É “encantadoramente contido — uma anomalia nesta indústria”, descreve Cathy Horyn, crítica de moda do New York Times. Horyn representa o grupo de jornalistas que mais apoiaram Raf Simons na sua carreira. “Simons é radical em tudo, faz uma verdadeira reflexão sobre o produto”, elogia Serge Carreira, especialista em moda e luxo e professor na Faculdade de Ciências Políticas de Paris, citado pelo Le Figaro. “O que fez nos últimos anos na Jil Sander é exactamente o que é preciso trazer à Dior neste momento. Mostrou que consegue fazer as coisas com sensibilidade couture, mas também há uma verdadeira modernidade no seu trabalho”, constata Valerie Steele, directora e curadora do Museum at the Fashion Institute of Technology de Nova Iorque. Raf Simons “combina grande perícia e visão com modernidade e um ponto de vista”, elogia Alexandra Shulman, directora da Vogue britânica, repetindo mais uma vez a ideia de “moderno” sobre o belga. E diz ainda Colin McDowell, fundador da plataforma de novos talentos Fashion Fringe: “É tão refrescante ter outro jovem designer, juntamente com Riccardo Tisci, como criador de alta-costura”, um clube com tão poucos membros e um punhado de compradores.

“No mundo da arte há coleccionadores, curadores e público e todos são importantes. Estou fascinado com o que poderá ser a relevância da linguagem da couture no século XXI”, esclarece Simons ao New York Times sobre esta viragem na sua carreira. Simons chega a uma arena completamente diferente. Vindo de uma marca de média dimensão, terá agora nas mãos o pronto-a-vestir, a alta-costura e os acessórios femininos de um símbolo com um público planetário e milionário. “Estou muito consciente de que ambiente se trata”, garantiu o designer ao Women’s Wear Daily.

O que é certo é que a chegada de Simons, depois da reentrada de Slimane na YSL e da já consagração de Philo (Céline), pode simbolizar a instalação de um olhar purista sobre a moda nos mais importantes lugares do sector. O dono da LVMH, Bernard Arnault, até já confessou: “A minha filha Delphine trabalha na Dior, mas usa Céline”. Talvez, no âmbito de uma área criativa que parece ter dificuldades em afirmar-se sem uma vénia ao passado, este ano represente finalmente um passo rumo ao New Look. Do século XXI.

*Texto publicado no suplemento Primus de 3 de Maio de 2012