Carmen Thyssen
As polémicas da baronesa
Rica. Irreverente. Frontal. Desconcertante. Assim é Carmen Thyssen, a mulher que foi Miss Catalunha, Miss Espanha, Miss Europa e terceira no concurso de Miss Universo. Esteve casada com Lex Baker, um Tarzan do celulóide. Conheceu por dentro Hollywood e é viúva do barão Hans Heinrich von Thyssen-Bornemisza.
O apelido, com que ficou depois de, em 1985, casar com o barão Heinrich von Thyssen, é por todos conhecido. Alguma vez na vida já andámos num elevador daquela marca. O nome de um império industrial, pelo gosto ao coleccionismo de arte e por atitude de mecenas, está patente no terceiro vértice do triângulo artístico estrela da capital madrilena, desenhado pelos museus do Prado, Rainha Sofia e... Thyssen-Bornemisza. Amante da arte, figura obrigatória nas revistas do coração, as de papel couché e relatos de encantar, Carmen Thyssen está no top dos famosos em Espanha. Mulher de fôlego, polifacetada, frontal, inquieta, abraça as mais diversas causas. E não foge às polémicas.
"A colecção é minha e faço com ela o que o que quero. Há muitos grandes profissionais neste país que desejam vir para este museu", disse Carmen Tyssen ao diário El País, referindo-se às demissões de Maria López e de Tomás Llorente dos cargos de directora e membro do patronato do recentemente inaugurado Museu Thyssen de Málaga. Uma iniciativa em que a câmara local investiu 16,5 milhões de euros na reabilitação do Palácio de Villalón, e ao qual a baronesa deu vida emprestando, por 15 anos, 230 obras do século XIX da sua colecção. Apesar de Llorente, historiador de Arte, antigo responsável do Instituto Valenciano de Arte e do Museu Rainha Sofia, ter sido o seu braço direito no Thyssen de Madrid, Tita Thyssen, como é apelidada com abusiva familiaridade pela imprensa, não se deteve: "O sr. Llorente queria dirigir o museu à sua vontade e isso não permito", disse ao El Mundo.
Foi a mais recente polémica que envolveu esta mulher de 67 anos. Uma celeuma provocada pela nomeação de um director-gestor que é oriundo da Câmara de Málaga para o novel museu malaguenho. Inaugurado com pompa e circunstância em 24 de Março, com António Banderas como mestre-de-cerimónias, o Thyssen de Málaga, ainda recém-nascido, vive o seu primeiro tropeço, um inesperado sobressalto. "Qualquer museu tem um administrador, porque um museu é uma empresa", sentencia a baronesa, presidente da instituição.
Entretanto, ocorreu outro braço-de-ferro. Então, com a ministra da Cultura, Ângelez González-Sinde. Uma polémica mais decisiva. Com troca de mensagens na imprensa. Uma guerra de posições tornada pública quando, na confidencialidade de gabinetes, experimentados advogados negociavam. Um episódio que desgastou um pouco mais a titular da Cultura, já maltratada pelo seu decreto-lei sobre descarregamentos da Internet, que lhe abriu frentes com internautas e a Academia das Artes e das Ciências Cinematográficas de Espanha, que foi a casa da cineasta González-Sinde e onde já não é reconhecida.
O imbróglio da colecção
Em causa estava a continuidade da permanência no Museu Thyssen-Bornemisza da colecção da baronesa - 240 quadros, entre os quais obras de Van Gogh, Gauguin, Cézanne, cedidos gratuitamente em 2000 e avaliados em 700 milhões de euros pela leiloeira Sotheby's - após a ampliação do museu.
Depois de intermináveis reuniões de responsáveis do Ministério da Cultura com advogados dos melhores escritórios de Madrid, em 22 de Fevereiro foi anunciado um acordo momentâneo, com sabor a moratória: a cedência, por mais um ano, até 12 de Abril de 2012, da colecção de Carmen Cervera, complemento da colecção permanente de 700 peças do barão Hans Heinrich von Thyssen-Bornemisza, que é propriedade do Estado espanhol. Os tempos de austeridade económica não propiciaram outra solução.
"A intenção do Governo era prolongar o empréstimo, o que não se pôde concretizar porque a baronesa apresentou uma série de contrapartidas", disse a ministra. "Estamos em crise económica, falámos de outros assuntos, mas falar disso aqui parece-me má educação", ripostou a visada. "Outros assuntos" não foram "conversa fiada". Têm a ver com a utilização da marca Carmen Thyssen, registada em nome da fundação. Os anteriores ministros da Cultura de Rodriguez Zapatero, Carmen Calvo e César António Molina, não levantaram objecções. No entanto, a questão foi agora considerada um problema, que está por resolver. E, no começo do próximo ano, a Espanha estará imersa em eleições legislativas. Mau momento para decisões de gasto.
"A questão foi mal negociada, na verdade nem foi negociada, pois a ampliação do Museu Thyssen-Bornemisza não foi discutida", refere, ao PÚBLICO, Francisco Calvo Serraller, catedrático de História de Arte Contemporânea da Universidade Complutense de Madrid. A perspectiva de que se "rompa" a colecção foi esgrimida na imprensa. "Há obras importantes que estão na colecção e não lhe pertencem, são da baronesa, o que seria um problema para um museu conceituado que teria perdas na sua colecção histórica", adverte Calvo Serraller: "É estranho que se aceite ceder obras sem ter um acordo sobre o futuro das mesmas, seja cedência ou compra". Antevendo, no futuro próximo, mais problemas, o catedrático e crítico de Arte interroga: "Como se explicaria aos espanhóis que o financiamento, com os seus impostos, da ampliação da colecção de nada serviu?"
Um imbróglio é certo. "Nunca se entendeu por que se fazia a ampliação do Thyssen. A do Museu do Prado era necessária, mas a do Thyssen foi feita de forma muito pouco reflectida. Tudo reside na falta de gestores culturais", lamenta. "Um dia, haverá problemas, quando aparecer algum comprador para a colecção a que o Estado terá de responder com uma contraoferta", alerta Francisco Calvo Serraller. "A colecção da baronesa não está ao abrigo das disposições das leis do património espanhol que impedem a venda para fora da colecção", acentua. "Se a baronesa tivesse uma situação financeira extraordinariamente boa, sempre se podia apelar ao seu patriotismo, mas não tem", conclui o catedrático e crítico.
Um quadro de 40 milhões
Em apuros económicos? Assim o diz a própria. "Tenho problemas de liquidez", admitiu à revista Semana, semanário da vida dos famosos: "Como toda a gente, tenho problemas de liquidez, é só isso." Uma confissão que, nestes tempos, não deixou de surpreender.
"Baronesa, a crise não lhe pesa!", gritaram-lhe, indignados, alguns manifestantes à porta do Museu Thyssen de Málaga. No entanto, garante a imprensa espanhola, é mesmo verdade.
Até foram feitos cálculos aos gastos anuais de manutenção das suas múltiplas propriedades. Manter a mansão de La Moraleja, a mais emblemática urbanização de luxo, nos arredores de Madrid; Villa Favorita, em Lugano, na Suíça; Más Mañanas, em Saint Feliu de Guixols, localidade catalã onde possui mais casas; outras residências em Marbella, Palma de Maiorca e Pedralbes, em Barcelona... Tudo somado, anda pelos dez milhões de euros anuais. E todos têm presente a foto da baronesa, à entrada do Museu Thyssen-Bornemisza, a sair de um imponente Rolls Royce Phantom, o veículo mais emblemático da sua frota.
Como uma roda dentada, foi a arte que levou à revelação das dificuldades da liquidez. Tudo aconteceu, como desde há muito quase sempre acontece na vida desta mulher, devido à arte. A questão foi tratada na reunião do patronato da Fundação Thyssen. Um coleccionador está interessado na compra do quadro La Esclusa, pintura a óleo de 1824 do britânico John Constable: oferece 40 milhões de euros. Dois membros do patronato utilizaram o seu direito a veto, entre os quais Francesca Thyssen, a segunda dos cinco filhos do barão.
O que foi uma divergência em privado, no compromisso de discrição daquele órgão, passou a público. A esgrima de argumentos teve como palco as revistas "cor-de-rosa", as de tiragens milionárias. "Estamos a falar de um legado enorme, o legado dos Thyssen. Esse quadro é importantíssimo para nós e para a colecção", revelou Francesca à revista Hoy Coraçón. E mais disse: "Não é problema meu, se Tita tem problemas de liquidez". Houve resposta, de idêntica frontalidade. "Não há nenhum veto, o que disse essa pessoa foi inventado, a própria ministra [da Cultura, membro do patronato por inerência do cargo] confirmou-o, não há veto nem outro qualquer problema, Francesca é assim", disse a baronesa à revista Semana.
No Thyssen de Madrid está patente a primeira parte da exposição Heroínas, uma mostra de obras sobre mulheres independentes, criadoras, dominadoras e triunfantes com quadros do século XIX à actualidade. "Nesta exposição, identifico-me mais com a secção dedicada às mulheres guerreiras, porque o somos", admitiu a baronesa.
Ela foi-o e continua a sê-lo. O seu percurso atesta um desejo de independência. Desde jovem. Com 18 anos, na Espanha franquista de educação e costumes espartanos, ganhou o concurso de Miss Catalunha e, depois, o de Miss Espanha. Era bela e tinha, dizem as crónicas, um sorriso avassalador. Foi Miss Europa e terceira, em Miami, no concurso de Miss Universo.
A mesma rebeldia levou-a a outra... polémica. Desta vez com a câmara da capital e o presidente Alberto Ruíz-Gallardón. Após vários pré-avisos contra a remodelação do eixo Prado-Recoletos, que o arquitecto português Siza Vieira ganhou em concurso, em 5 de Maio de 2007, a baronesa acorrentou-se a uma árvore do jardim do Museu Thyssen. Imagem única. "Ecologista de Chanel", ironizaram alguns. Mas protesto efectivo. Em 13 de Dezembro daquele ano, as partes assinaram o armistício: junto ao Thyssen só haverá três vias de trânsito em vez das cinco previstas. Siza Vieira multiplicou-se em explicações, assegurando que o seu projecto não contemplava o derrube de árvores históricas. Contudo, da polémica ficou a foto da propaganda.
Intensa e triste
"É uma pessoa polémica e polifacetada, inteligente e ambiciosa", afirma Teo Lozano, que, com Goya Ruiz, escreveu a biografia não-autorizada Carmen Cervera, La Baronesa, publicada em 2008. Um trabalho de dois anos que está na base de uma mini-série televisiva de dois episódios que a cadeia privada Tele5 começou a rodar na Catalunha, segundo confirmou ao PÚBLICO um porta-voz da estação. À visada terá desagradado que esta recriação da sua vida tenha sido feita sem o seu consentimento ou conhecimento prévio do guião.
A vida de Maria del Carmen Rosário Soledad Cervera y Fernandéz de la Guerra foi e é intensa. E também triste. Depois de oito anos de casamento com o actor Lex Barker, um Tarzan do celulóide, o coração do "Rei da Selva" parou aos 55 anos, vítima de um enfarte. Nos EUA, onde então residia, Tita casou-se com o produtor de cinema venezuelano Espartaco Antoni e actua em filmes. Um projecto que sempre acalentara, asseguram. Divorcia-se de Antoni, uma ruptura dolorosa mas inevitável. Antes de, em 1985, casar com o barão Heinrich von Thyssen, teve um filho, Borja Alejandro, fruto de uma fugaz relação.
O barão dá o seu apelido a Borja. Hoje, a má relação de Tita Cervera com o filho é pasto das chamas das notícias das revistas "cor-de-rosa". Um incêndio que a persegue, desde que Borja casou. "Num programa de actualidades, no qual há a intervenção dos ouvintes, fizeram-lhe perguntas pessoais. Desde há muitos anos que é alvo da imprensa e [Carmen, que] sabe tourear bem em todas as praças, aguentou bem", relata o jornalista Albert Castillón, que a tem como colaboradora de um magazine da cadeia Punto Rádio. Em Maio de 2008, apresentou as suas gémeas, adoptadas, numa reportagem na casa de Mas Mañanas, em Saint Feliu de Guixols, na Costa Brava catalã, que foi capa da revista Hola!. As crianças nasceram nos EUA numa "barriga de aluguer" e a identidade do dador não foi revelada.
"No meu programa, uma vez por mês, ela tem um espaço sobre arte, porque não tem uma voz radiofónica e como é muito perfeccionista tinha algum receio, mas tudo funcionou bem", prossegue Castillón. "É muito trabalhadora, muito estrita, e interessa-lhe mostrar uma imagem diferente da que lhe atribuem", diz o jornalista. "Não lhe pagamos, nem havia dinheiro para pagar-lhe, nem ela pediu", acentua. "Faço-lhe pequenos obséquios pessoais, de escasso valor, mas tento promover tudo o que leva a marca Thyssen. Não sou chefe dela, a chefe é ela", conclui Albert Castillón.
Texto originalmente publicado no P2