Bruno Martin / Reuters

Nutrição

O álcool não ajuda só os corações partidos

Quando consumido sem exageros, mas de forma regular, o álcool faz bem à saúde. Seja vinho, cerveja ou whisky, só não vale transbordar o copo.

Se há tema que desperta quase sempre controvérsia é o do álcool e, mais concretamente, o dos seus efeitos sobre a nossa saúde. Desde já porque vivemos num país produtor de vinho e que historicamente apresenta consumos de álcool bastante elevados.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, Portugal está ainda entre os países com maior consumo per capita, sendo superado quase exclusivamente por países do Leste Europeu. Embora estes valores tenham vindo a diminuir sensivelmente ao longo das últimas décadas, mantêm-se elevados e com consequências pesadas sobre os consumidores, as suas famílias e os sistemas de saúde.

De facto, o consumo excessivo de álcool e, sobretudo, a dependência das bebidas alcoólicas afectam centenas de milhar de portugueses, que apresentam elevados e inaceitáveis números de acidentes, de cirrose hepática, de alguns cancros, de distúrbios psiquiátricos e ainda problemas de adaptação social e no emprego. Ou seja, uma constelação de problemas que parecem dispensar mais considerações sobre o tema: o álcool é altamente prejudicial, deve ser evitado e ponto final.

Mas a verdade é que, para lá destes factos preocupantes e que devem continuar a merecer a maior atenção, existe uma outra realidade ligada ao consumo de bebidas alcoólicas. E esta diz-nos que o seu consumo moderado pode ser até benéfico para a saúde. O importante será então sabermos em que condições se verificam estes benefícios. Para já, a quantidade. O que é um consumo “moderado”? A ciência tem dado uma resposta razoavelmente consistente a esta questão, afirmando que consumo moderado significa uma bebida por dia para mulheres e duas para homens, sendo que se considera uma bebida o que contém 15g de álcool. Traduzindo, uma bebida padrão corresponde aproximadamente a 330ml de cerveja, um copo de 150ml de vinho ou 40ml de uma bebida destilada, como aguardente ou whisky. 

São também interessantes os dados que mostram que os benefícios aparecem nos consumidores regulares, isto é, naqueles que bebem as quantidades referidas todos os dias. Ou seja, consumos elevados numa única ocasião semanal, por exemplo, podem corresponder a uma média semanal de uma bebida por dia, mas não partilham de todo os benefícios que apontámos e são, pelo contrário, bastante prejudiciais. Mais ainda, o consumo da bebida na refeição é mais benéfico que fora dela, um achado que reforça o interesse, por exemplo, do consumo moderado de vinho à refeição e que é uma das características do muito saudável padrão alimentar mediterrânico.

Mais controversos têm sido os resultados sobre qual o tipo de bebida alcoólica mais interessante para a saúde. O vinho tinto goza, a este respeito, de notável popularidade, facto este relacionado com a sua estreita ligação ao já referido padrão alimentar mediterrânico, mas também ao reconhecimento em estudos laboratoriais de benefícios de alguns dos compostos nele presentes - neste capítulo, o resveratrol tem sido amplamente estudado. Contudo, a realidade diz-nos que o tipo de bebida alcoólica não é muito relevante, verificando-se os efeitos positivos para todas as bebidas estudadas. Alguns resultados que parecem conferir vantagem ao vinho sofrem ainda de um problema metodológico: na maior parte dos países onde estes estudos foram feitos, quem consome vinho são pessoas com melhor nível socioeconómico, mais cultas, que se alimentam melhor e que praticam mais actividade física, o que introduz um factor de distorção na interpretação dos resultados.

Resta ainda a questão de quais são os benefícios que este consumo moderado nos pode trazer. É sobretudo o nosso aparelho cardiovascular que dele beneficia, tendo-se observado de forma consistente que os bebedores moderados têm menos doença coronária que os abstémicos.

Importa ainda referir que determinados grupos de pessoas devem excluir toda e qualquer bebida alcoólica da sua alimentação. Crianças e adolescentes, mulheres grávidas ou a amamentar e ainda todos os que têm ou já tiveram problemas com consumo excessivo de álcool devem manter-se totalmente abstémicos. O álcool está também desaconselhado quando tomamos alguns tipos de medicamentos, pelo que é importante estarmos informados a este respeito.

Para os outros, este consumo moderado e responsável pode mesmo trazer alguns benefícios para a saúde, a que se soma o indiscutível prazer que um copo de bom vinho, por exemplo, consegue proporcionar. E o prazer, nas palavras de Simon Blackburn, é “um conceito surpreendentemente complexo, ainda que central para qualquer análise da motivação humana e animal”.

 

Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto

nunoborges@fcna.up.pt