David Gray / Reuters

Nutrição

Alimentos (e um planeta) para todos

Os recentes desenvolvimentos no cultivo de frutas, carne e vegetais trazem esperança revigorada no futuro.

As estimativas convergem: nas próximas quatro décadas será necessário pelo menos duplicar a produção de alimentos. Ao mesmo tempo, urge preservar os ecossistemas naturais e a biodiversidade que ainda existem no planeta. Para isso é preciso produzir mais sem aumentar ou mesmo reduzir a superfície terrestre cultivada, ou seja, aumentar o rendimento global da produção agrícola. Se nos países mais desenvolvidos a margem de crescimento do rendimento da produção agrícola é hoje pequena - porque o rendimento já é alto - em zonas menos desenvolvidas, concentradas sobretudo em África, América do Sul, Leste Europeu e Ásia, um investimento sério na formação dos agricultores e no fornecimento de sementes, fertilizantes, pesticidas e infraestruturas adequadas aumentará o rendimento agrícola entre duas a cinco vezes.

Mas não chega aumentar a eficiência na utilização do solo, é necessário utilizar a água e os agroquímicos de forma mais inteligente. Um conjunto emergente de práticas agrícolas, conhecido como agroecologia, combina os saberes das ciências agrárias e florestais, da hidrologia, da ecologia, entre outras, de forma a implementar sistemas de produção agrícola que mimetizam os ecossistemas naturais. Comprovadamente produz-se assim mais alimentos em menos terra e, ao mesmo tempo, preservam-se os ecossistemas, promove-se a biodiversidade e diminui-se as necessidades de água, pesticidas e fertilizantes.

Para dar uma ajuda estão em marcha projectos que visam tornar perenes algumas culturas anuais utilizando técnicas de engenharia genética. Daqui a duas ou três décadas poderemos colher cereais, oleaginosas ou leguminosas (culturas actualmente anuais) como quem colhe maçãs ou azeitonas. Ou seja, a mesma planta permanecerá no campo durante vários anos permitindo colheitas periódicas. O impacto desta tecnologia será enorme já que as plantas perenes são mais resistentes ao clima e às pestes e a sua manutenção requer menos água e energia.

Os campos de cultivo estão a mover-se para as cidades onde vive a maior parte da população. Já existem e continuarão a aparecer explorações agrícolas verticais (ou quintas verticais) em várias cidades do globo. Plantas cultivadas por hidroponia ou aeroponia crescem em altos edifícios transparentes concebidos para optimizar a exposição solar. Em dias mais nebulados ou de noite as plantas recebem luz artificial. Assim, pode-se colher alfaces 20 vezes por ano em vez das tradicionais uma ou duas colheitas anuais! Este tipo de cultivo permite um aumento de várias ordens de grandeza da produção reduzindo em 80% a área de cultivo, em 90% o consumo de água e em 100% o uso de pesticidas. Por diminuir a distância (e o tempo) que separa o local da produção alimentar dos consumidores os custos de transporte e armazenamento diminuem para quase zero e as perdas por deterioração são menores.

Até agora falamos de produção vegetal. Mas continuamos com um problema. Para uma boa saúde precisamos de uma boa quantidade de proteínas (entre 10 e 35% da energia consumida deve provir de proteínas). Existem ricas fontes proteicas no reino vegetal se combinarmos adequadamente leguminosas e cereais. No entanto, uma grande parte da população mundial prefere a carne ou o peixe como fontes proteicas primordiais. O crescente consumo global de pescado tem sido assegurado por uma também crescente quantidade de pescado produzido em aquacultura, que já fornece perto de 50% do mercado. Para salvar os sistemas marinhos, extremamente debilitados por práticas piscatórias intensivas, a aquacultura continuará a substituir a captura. As rações utilizadas incluirão fontes proteicas vegetais, subprodutos animais e insetos (que serão também criados em larga escala e alimentados com resíduos agroalimentares). Os detritos produzidos pelo cultivo do pescado serão transformados em ricos fertilizantes para a agricultura, diminuindo assim o impacto ambiental desta prática.

Em 1932, Winston Churchill disse “daqui a 50 anos devemos conseguir evitar o absurdo de criar uma galinha para consumir o peito ou as asas cultivando estas partes isoladamente num meio de cultura apropriado”. Os recentes desenvolvimentos no cultivo de carne em laboratório vêm confirmar esta premonição. A produção em larga escala de células de uma vaca em reatores biológicos, seguida da montagem de um bife com as características desejadas numa impressora 3D, é algo que alguns cientistas e investidores almejam comercializar nas próximas duas décadas. Uma penetração plena desta tecnologia na cadeia alimentar permitirá reflorestar os 30% da superfície terrestre actualmente utilizada para criação animal, direcionar mais de 30% dos cereais cultivados, utilizados actualmente para alimentar gado, para a alimentação das pessoas e poupar a vida de quarenta mil milhões de animais abatidos anualmente. 

Um mundo de abundância alimentar para todos é possível hoje e será possível no futuro. O cultivo de sementes melhoradas em sistemas agroecológicos, a diminuição do impacto ambiental da produção de proteínas (aquacultura optimizada e cultivo de carne), o desenvolvimento de tecnologias auxiliares (robótica, inteligência artificial, etc.) e a necessária consciencialização social e governamental dos reais impactos e desafios do nosso sistema agroalimentar permitirão proteger o planeta e fornecer alimentos seguros e nutritivos a toda a população humana. 

 

Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto

dupamato@fcna.up.pt