Nutrição
Rótulos: letras pequenas, importância redobrada
Longe vão os tempos em que adquiríamos um alimento sem que dele tivéssemos qualquer informação. Poderíamos eventualmente saber a sua origem e, com um olhar atento, atestar o seu grau de frescura. E nada mais.
Entretanto, a oferta de novos tipos de produtos alimentares cresce a cada dia, as preocupações com a segurança dos alimentos são muito maiores e reconhecemos que aquilo que comemos é dos factores que mais influenciam a nossa saúde a curto, médio e longo prazo. É neste contexto que surgiu a necessidade de ir acrescentando informação na embalagem de cada produto que usamos na nossa alimentação. Parece-nos hoje impensável adquirir um produto como leite, bolachas, conservas ou até água engarrafada sem que nele conste um prazo de validade. Esta data mágica, que nos diz que o produto apresenta garantia de uma qualidade e segurança adequadas apenas durante um certo período de tempo, é uma das características úteis desta “modernidade”, criando uma relação de confiança entre quem produz e quem consome.
Outro tipo de informação veiculada pelos rótulos é a respeitante aos ingredientes e ao valor nutricional do alimento. A lista de ingredientes apresenta-se sempre por ordem decrescente da quantidade relativa com que são utilizados. Ou seja, em primeiro lugar aparece o ingrediente mais abundante, em segundo lugar o segundo e assim sucessivamente.
Mais interessante é a informação relativa aos diversos nutrientes contidos no alimento e que, por força da legislação portuguesa, deve obrigatoriamente constar de todos os alimentos embalados. Contudo, nem todos os nutrientes fazem parte da lista. Obrigatoriamente deve aparecer o valor energético (as “calorias”), a gordura e a gordura saturada, os hidratos de carbono e os açúcares, as proteínas e o sal. Os valores devem ser apresentados por 100g de produto ou, opcionalmente, por porção.
Pode parecer indiscutível que a apresentação destes valores ajude o consumidor a exercer uma escolha mais informada e, por conseguinte, mais adequada e saudável. No entanto, existem muitas barreiras entre a simples disponibilização desta informação e o seu impacte real no consumidor. A mais importante é certamente a dificuldade em perceber se os valores apresentados são interessantes ou, pelo contrário, são potencialmente prejudiciais para a saúde de cada um, dado que são imensas as variáveis em causa: os valores, o tamanho das porções, o efeito de cada nutriente e a situação de saúde de cada um, por exemplo.
Esta percepção de que a informação nutricional contida na rotulagem pouco contribui para que a generalidade dos consumidores possa fazer as melhores escolhas levou a algumas tentativas de complementar a mensagem, tornando-a mais simples e, simultaneamente, mais apelativa sob o ponto de vista gráfico. Assim surgiu, por exemplo, a colocação de um sistema de cores para os nutrientes mais importantes, designado vulgarmente por “semáforo”. Cada nutriente, dependendo da respectiva quantidade, aparece associado a uma das três cores do regulador de trânsito: o verde, o amarelo e o vermelho, com o significado que lhes é universalmente atribuído. Alguns fabricantes, e até cadeias de distribuição com marca própria, adoptaram este sistema e há em alguns países um conjunto de debates sobre a possibilidade de o tornar obrigatório. No entanto, os estudos recentes sobre o tema não mostram uma vantagem inequívoca da presença deste sistema nas embalagens- embora alguns resultados tenham levado os autores a concluir que com melhorias na forma de disponibilização da informação se podem chegar a efeitos importantes no consumidor.
Estes dados mostram bem a dificuldade de mudar o nosso comportamento e as nossas escolhas alimentares. O rótulo de um alimento poderá, eventualmente, ser um agente dessa mudança, mas a magnitude do efeito que poderemos esperar é baixa. Algumas medidas mais “duras”, como impostos diferenciados para determinados produtos ou restrições à publicidade, podem ser mais interessantes em termos de saúde pública, como mostram exemplos em alguns países/regiões.
Ainda assim, vale a pena que cada um de nós dedique um pouco mais de atenção aos rótulos dos alimentos que consumimos e ir assim ganhando uma melhor noção do que contêm. O conhecimento das regras de uma boa alimentação, que inclui uma percepção razoável sobre que comida temos ao nosso dispor, não é garantia de que vamos fazer sempre as melhores opções, mas sem ele será muito mais difícil atingir essa finalidade.
*Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto
nunoborges@fcna.up.pt