Nutrição
As dietas que parecem desintoxicar
Fazer uma dieta com ação desintoxicante (ou dieta detox) é uma das maneiras mais proclamadas para limpar o nosso organismo de alegados tóxicos a que somos expostos e que se vão acumulando nos nossos tecidos. Pretende-se assim recuperar o equilíbrio perdido, reforçar as defesas naturais, melhorar o desempenho intelectual e físico, entre outras aspirações.
Fazer uma dieta com ação desintoxicante (ou dieta detox) é uma das maneiras mais proclamadas para limpar o nosso organismo de alegados tóxicos a que somos expostos e que se vão acumulando nos nossos tecidos. Pretende-se assim recuperar o equilíbrio perdido, reforçar as defesas naturais, melhorar o desempenho intelectual e físico, entre outras aspirações.
De facto, fruto da espantosa capacidade de o ser humano sintetizar e produzir em larga escala milhares de compostos para aplicação industrial, agrícola ou doméstica, estamos hoje expostos a uma quantidade e variedade de substâncias sem precedentes, algumas delas persistentes no ambiente e no nosso organismo, com prejuízos demonstrados para a saúde.
Apesar de medidas regulamentares que tentam limitar a exposição humana a substâncias comprovadamente tóxicas (como por exemplo o uso de bifenilos policlorados foi restringido na Europa a partir de 1985; mais recentemente, em 2009, proibiu-se o uso de cerca de 70 pesticidas), os indivíduos que vivem em ambientes menos salubres acumulam ou já acumularam cargas assinaláveis de tóxicos que persistem nos seus organismos.
Nos últimos tempos os programas de desintoxicação têm sido bastante difundidos pela comunicação social e por muitos agentes comerciais. Desde sumos, infusões, dietas e suplementos alimentares até banhos iónicos de pés, tudo parece vender na ânsia de uma purificação extrema. Mas será que funcionam mesmo?
Por muito que se procure, não existem actualmente evidências científicas que demostrem o efeito desintoxicante destas abordagens. Os estudos existentes raramente referem quais são os tóxicos que se pretende eliminar do organismo, qual o mecanismo de ação da terapia, e que benefícios concretos para a saúde daí advêm. Assim é difícil de engolir. Também não é referido como diagnosticar os indivíduos mais contaminados, potencialmente maiores beneficiários do tratamento detox.
Quem, durante alguns dias, resolver retirar da dieta habitual alguns alimentos (leite, ovos e carnes vermelhas, os derivados do trigo, da cevada e do centeio e outros cereais refinados, a soja, o açúcar, o café e as bebidas alcoólicas) por achar que são eles os responsáveis por viver intoxicado e complementar essa prática com a ingestão de quantidades generosas de frutas, verduras e leguminosas não incorrerá em grandes perigos nutricionais. Porém, não há qualquer evidência que por isso comece a eliminar toxinas por tudo quanto é poro (nem pelas vias de excreção principais, a urina e as fezes).
Mas se o seu processo desintoxicante passar por beber uma água morna salgada de manhã, uma mistura aquosa de sumo de limão, xarope de ácer e pimenta-caiena ao longo do dia, e um chá laxante ao jantar, dieta popular em alguns círculos sociais, aí está claramente a exagerar. Trata-se de um tipo de regime extremamente deficitário em proteínas, ácidos gordos essenciais, algumas vitaminas e minerais. O efeito laxante pode causar desidratação, desequilíbrio eletrolítico e perturbar a normal actividade da flora intestinal, o que não augura nada de bom.
É salutar que surjam desenvolvimentos nos métodos de diagnóstico e em possíveis intervenções que visem facilitar a eliminação de tóxicos persistentes do organismo, diminuindo o risco de doenças associadas. Podemos estar a assistir ao surgimento da “desintoxicologia”. Contudo, qualquer evidência só pode emergir após estudos rigorosamente conduzidos - que ainda não existem.
*Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto
dupamato@fcna.up.pt