Nutrição
Pastilha elástica: muito mais do que mastigar e deitar fora
As ciências da nutrição são um ramo fascinante da Ciência, quer pela avalanche de novos conhecimentos que diariamente nos chegam quer pelo carácter verdadeiramente surpreendente de alguns achados. Neste breve texto tentar-se-á dar uma perspectiva actual do que sabemos acerca do consumo de pastilhas elásticas e de que forma é que este hábito pode influenciar a nossa saúde.
O consumo de produtos para mascar remonta, historicamente, ao período Neolítico. Existem vestígios do uso de substâncias com propriedades elásticas em várias regiões do nosso planeta desde então. O tipo de produto usado dependia da disponibilidade local e, só no final do séc XIX, com a sua comercialização em grande escala por parte de empresas norte-americanas, se assistiu a uma maior uniformização dos componentes. Sendo consideradas pela legislação portuguesa como géneros alimentícios, as pastilhas elásticas são produtos com elevado consumo: estima-se que, por exemplo, cada americano consuma cerca de 300 pastilhas por ano, em média.
Mas o que torna interessante as pastilhas elásticas, na nossa perspectiva, é o facto de o simples acto de as mascar ter uma série de repercussões no nosso organismo. Algumas serão mais ou menos óbvias, mas outras são mais inesperadas e revelam a complexa rede de influências que o nosso tubo digestivo e, mais concretamente o acto de mastigar, tem sobre numerosas funções do organismo.
Assim, não surpreenderá saber que o consumo de pastilhas elásticas adoçadas com edulcorantes artificiais parece favorecer a saúde oral, nomeadamente pela menor prevalência de cárie dentária nos consumidores deste produto. De igual modo, é útil promover o seu consumo em indivíduos que têm a boca excessivamente seca, uma vez que o acto de mascar aumenta a secreção de saliva.
Mais interessante é verificar que o uso de pastilhas elásticas favorece a recuperação de doentes submetidos a cirurgia digestiva, diminuindo o tempo necessário até que o intestino volte a funcionar normalmente. Mas talvez a área mais surpreendente seja a da relação entre o consumo deste produto e o desempenho cerebral. De facto, mascar pastilha elástica permite uma maior activação de certas áreas cerebrais e este efeito relaciona-se com melhor aptidão no desempenho de certas funções superiores, como a memória de trabalho, maior rapidez de reacção e melhor controlo motor, assim como um melhor processo cognitivo. Mais ainda, estes efeitos, quando estendidos no tempo pela prática continuada de mascar, associam-se a menores índices de depressão e a maior bem-estar. Existem ainda dados muito recentes que apontam também benefícios ao nível da pressão arterial, por exemplo.
Com este texto, não se pretende validar o uso indiscriminado de pastilhas elásticas nem muito menos promover o seu uso como panaceia universal para todos os males que nos afligem - os dados não são de todo suficientemente robustos para o fazermos e manda a prudência recordar que o equilíbrio é sempre a palavra de ordem. Mas podemos daqui tirar a importante ilação de que o simples acto de mastigar, que a vida sôfrega que levamos tende a fazer esquecer, é muito mais do que a passagem de alimentos de fora para dentro do organismo e que devemos olhar para ele como um indispensável início de um fascinante processo que é a digestão.
Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto
nunoborges@fcna.up.pt