Guia de sobrevivência alimentar para a época festiva
Ingerir doces ou fritos deve proporcionar prazer, sem medo de comer. Mas também sabemos que entre o Natal e a passagem de ano podemos ganhar cerca de dois quilos.
Em festa modificamos o que comemos. Procuramos alimentos que não abundam no nosso quotidiano, de boa qualidade, às vezes relativamente caros, e com alguma complexidade na preparação devido ao tempo ou à confecção que exigem.
Os motivos que nos levam a festejar com alimentos centram-se em aspectos cruciais da filosofia ou história da humanidade, como as colheitas, as estações, a renovação, o nascimento ou a morte. No Natal, celebramos o nascimento de Jesus e essa comemoração pode assumir formas muito diferentes no mundo.
Na Suécia, por exemplo, o 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, pode marcar o início das festividades de Natal. Em povos eslavos ou dos países Bálticos, as tradições para assegurar a fertilidade no novo ano podem levar a rituais em que se alimentam pássaros ou, na noite de Natal, se oferece pão aos animais, ainda antes da refeição familiar.
Na nossa tradição, a riqueza e variedade dos alimentos na época de Natal e os papéis desempenhados por quem os prepara ou oferece, e por quem os recebe, deixam bem claro que há uma admirável função da alimentação como processo fundamental da comunicação entre pessoas. Comer, tal como falar, enche-se de significados e as funções implícitas nos alimentos e ambiente da refeição são quase infinitas; quem prepara a refeição pode ser anfitrião, cuidador, pai, mãe, avó, mestre-de-cerimónias, servidor, amigo, sedutor… Na refeição, a pergunta é muito simples: o que oferecer? Como numa conversa que se quer interessante, o bacalhau e os alimentos numa mesa especialmente decorada não são escolhidos por razões práticas, mas pelo que se pretende comunicar.
E o conforto que decorre da refeição é também importante, especialmente através dos alimentos que mais gostamos, em sabor e afecto. Ingerir doces como bolo-rei ou mexidos ou fritos, como rabanadas e filhós, deve proporcionar prazer, sem medo de comer. Contudo, também sabemos que entre o Natal e a passagem de ano, podemos ganhar cerca de dois quilos como resultado do excesso energético que pode atingir várias centenas de calorias por dia. Serão casos excepcionais, mas não deixa de impressionar que, no dia de Natal, se chegue a consumir o equivalente a três dias (6000 kcal) de ingestão. Aliás, nos EUA, pensa-se que as mudanças na alimentação e ingestão de bebidas alcoólicas - o excesso pode precipitar arritmias - possam contribuir para o pico de mortes por doença cardíaca que se observam pelo Natal.
Neste contexto é importante: ajudar à normalidade de apetite, não saltando o pequeno-almoço nem refeições habituais para guardar um espaço extra para o jantar; se consumir bebidas alcoólicas, não exagerar nem beber de estômago vazio; beber água suficiente antes de deitar para uma boa hidratação. E aproveitar alimentos tradicionais, nutricionalmente excelentes, como bacalhau, peru, couves em azeite e alho, frutos secos ou gordos, laranjas ou tangerinas da época.
O bom senso e o respeito pelos sinais biológicos facilitam a obtenção do máximo prazer com os alimentos. Mas se tiver exagerado e no dia seguinte ao Natal se sentir mole, sem energia, com ressaca ou enfartado, poderá ajudar: beber muita água para hidratar (o etanol em excesso pode desidratar); escolher alimentos fáceis de digerir em refeições simples e pouco volumosas (iogurte e pão, por exemplo); evitar gorduras, sal, condimentos e bebidas alcoólicas; passear a pé e dormir uma boa noite de sono.
Nutricionista e professor catedrático
Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto