Ana Ramalho

Nutrição

Já está a pensar no lanche? Então, pense duas vezes

Embora possa parecer estranho depois de tanto o termos ouvido e de tanta gente respeitável, comer de três em três horas não é, à luz dos conhecimentos actuais, uma receita para perder peso.

Vivemos num tempo em que o avanço do conhecimento científico é verdadeiramente prodigioso, com revelações constantes, muitas vezes de acompanhamento e interpretação difíceis. Por outro lado, existem ainda certos conceitos que, de tantas vezes repetidos e praticados, constituem verdadeiros dogmas, verdades que nem nos damos ao trabalho de questionar.

Porém, este avanço do conhecimento põe, aqui e além, alguns pontos de interrogação sobre práticas bem estabelecidas. Um dos mais interessantes destes conflitos é o que diz respeito ao número ideal de refeições diárias, ou, visto de outra forma, o intervalo de tempo mais correcto entre cada episódio de ingestão alimentar, uma vez que é frequentemente referida a necessidade de um número entre 5 a 6 refeições diárias como forma de manter, por exemplo, um peso saudável e um melhor controlo do apetite.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), num dos seus extensos e pormenorizados relatórios, refere que não existe informação relevante que sustente que uma frequência mais elevada de refeições possa estar relacionada com um peso mais baixo. 

Actualmente, o conjunto de dados disponível mostra que não existe qualquer vantagem em termos de controlo do peso em fazer mais que três refeições diárias, sendo que, abaixo deste número, o apetite perece ficar desajustado mais facilmente das necessidades, aumentando, por isso, a probabilidade de aumentarmos de peso.

Num trabalho publicado este ano na revista científica PLoS ONE, os autores demonstram que a mesma dieta, nos mesmos indivíduos, provoca melhores resultados globais (glicemia e controlo do apetite, p.ex.) se dividida em três refeições diárias do que em 14.

Não devemos esquecer que, ao aumentarmos o número de pequenas refeições intercalares, como lanches ou merendas, estamos mais expostos a determinados produtos alimentares que sabemos nada trazerem de positivo a uma boa gestão do peso. Bolachas, snacks muito calóricos como barras de chocolate, refrigerantes ou bolos entram muitas vezes na nossa dieta nestas refeições e esta é uma das razões apontadas para que o aumento nas últimas décadas deste tipo de refeições se tenha acompanhado por um aumento do peso das populações em muitos países do mundo.

Não deixa de ser curioso que a estratégia de aumentar o número de refeições seja muitas vezes usada, com sucesso, quando se pretende aumentar a ingestão de um determinado indivíduo, como por exemplo um atleta com alto consumo energético ou num indivíduo convalescente de uma doença grave.  Esta aparente contradição não joga, naturalmente, a favor do aumento do número de refeições como forma de reduzir a ingestão energética.

Importa, todavia, chamar a atenção para o facto de que em algumas doenças, como a diabetes mellitus, é fundamental o cumprimento de um plano alimentar com várias refeições diárias, e ainda mais se o tratamento for feito com insulina.

Mas para o indivíduo saudável, que “apenas” pretende manter um peso correcto ou até reduzi-lo, não está provado que exista alguma utilidade em aumentar o número de refeições diárias para além das referidas três.

Como é referido num excelente artigo do Prof. Pedro Teixeira, na coluna Peso&Medida, não existe uma receita universal para a perda de peso. Comer de três em três horas, embora nos possa parecer estranho de tanto a termos ouvido e de tanta gente respeitável, também não é, à luz dos conhecimentos actuais, uma dessas receitas. 

 

Nutricionista e professor
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto

nunoborges@fcna.up.pt