Nutrição
Emílio Peres: o pai da nutrição em Portugal
Emílio Peres nasceu a 22 de Julho de 1932, era médico endocrinologista e carinhosamente chamado o “pai dos nutricionistas portugueses”. Tive o privilégio de ser “seu” assistente estagiário e ver concretizado o sonho de estudante de estar a escassos centímetros daquele professor que, ainda no segundo ano de faculdade, nos fazia persegui-lo à noite sempre que sabíamos que ia dar uma conferência “aqui ou ali”. Afinal, como dizia Hélder Pacheco - historiador e profundo conhecedor do Porto - a propósito de Emílio Peres, “certos homens são cometas, são estrelas ou raios de luz”.
Como grande pensador e reformador, são inúmeros os exemplos que se devem a Emílio Peres nos domínios político, de intervenção social e de gestão, pedagógico e científico. Na nutrição, destaca-se o elevadíssimo número de livros, artigos, programas de rádio e televisão, entrevistas, palestras e formulação de ementas saudáveis em escolas, a campanha de educação alimentar “Saber comer é saber viver”, o contributo para a criação da Roda dos Alimentos, os cursos na Universidade Popular do Porto (uma associação cultural de utilidade pública, criada por um grupo de destacados intelectuais do Porto onde se incluía Emílio Peres, em que participaram milhares de pessoas, de diferentes idades, estratos sociais e níveis de escolaridade), e a criação do curso de nutricionistas na Universidade do Porto.
As suas técnicas e conhecimentos eram tão inovadores que muitos se apresentam em caminhos por descobrir. Veja-se, por exemplo, um estudo de 1984, onde tratou com sucesso indivíduos com níveis plasmáticos aumentados de colesterol e triglicerídeos, recorrendo a uma dieta ovolactovegetariana. Este seu exercício mostrou que a variação do colesterol plasmático deve ser apreciada no contexto da gordura saturada ingerida e de nutrimentos como as fibras, para além do colesterol alimentar. O sucesso daquela dieta traduziu-se também na regulação da pressão arterial. A leitura de tão interessante estudo, escrito há 27 anos, leva-nos para um conjunto de hipóteses que hoje alimentam acesa discussão sobre fitoquímicos e absorção do colesterol, ou peptídeos lácteos bioactivos e regulação da pressão arterial.
Tal como em voga no presente, sempre defendeu que a unidade de nutrição era o alimento, numa clara alusão de que poderemos não acertar ao considerar efeitos isolados de nutrimentos e outros constituintes bioactivos, como sendo iguais aos respectivos efeitos nas matrizes originais do alimento e do padrão de consumo alimentar que se lhe associam. Por isso, era interessante ouvi-lo a corrigir os que diziam “beber álcool” ou “comer fibras” lembrando-os, sempre, que o que se ingeria eram bebidas (alcoólicas) ou alimentos (pão integral, por exemplo).
Numa época em que nos podemos cruzar com referências a personagens de “coisas não ilegais” mas simultaneamente bastante “questionáveis do ponto de vista ético”, a história humanista do Dr. Emílio Peres contraria este cenário e alimenta gerações actuais e vindouras para construírem uma matriz de ética, independente de interesses de gestão, que inclua altruísmo, uma profunda capacidade para partilhar genuinamente os sentimentos dos outros, confiança, integridade, e competência técnico-científica.
pedromoreira@fcna.up.pt
*Nutricionista e Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto