Rabanada Poveira pelo chef Herminio Costa
Rabanada Poveira pelo chef Herminio Costa Nelson Garrido

Vivam as filhoses, os sonhos e as rabanadas!

Apesar das tentações da época, devemos respeitar o ritmo alimentar, um padrão estruturado, para melhor controlarmos o que ingerimos e regularmos o peso.

Lembro-me bem deste elogio aos doces tradicionais de Natal feito pelo Dr. Emílio Peres, professor, médico, nutricionista, amigo e conhecido de muitos de nós, ao longo de várias gerações. E partilhamos de corpo e alma esta necessidade de elogio não só pela vontade que temos de preservar o nosso património gastronómico, mas também porque acreditamos que seja saudável respeitar os ciclos alimentares naturais ou aprendidos, sejam eles, sazonais, mensais, semanais ou circadianos.

Os rituais festivos, o número, o tamanho e a composição dos episódios de ingestão, variaram ao longo do tempo, da história e com as diferentes culturas. Normalmente, para as festividades e para as refeições, existem dias, horários e contextos sociais ou ambientais que se repetem. Esta tendência normalizadora permite-nos muitas vezes usarmos as festividades e as refeições como marcos para organizar os meses, as semanas, os dias e mesmo as tarefas diárias, e combatermos o sistema "des" (desestruturar, desinstitucionalizar, desinstituir horários, desritualizar e dessocializar) que ameaça as refeições.

Seria de esperar num sistema perfeito de regulação do total energético diário que, se numa dada ocasião ingeríssemos um valor de energia muito acima do nosso habitual, esse mesmo sistema pudesse compensar na merenda, na refeição ou mesmo no dia seguinte, levando o indivíduo a comer menos. Contudo, as pessoas podem ter dificuldade em executar com precisão estes mecanismos de compensação energética, especialmente quando as ingestões são feitas numa base irregular. Pelo contrário, admite-se que se a "vida alimentar" seguir um padrão estruturado e regular, poderá haver melhor compensação de ingestão de energia, o que valoriza a existência de uma alimentação com ritmos definidos e uma forma organizada de comer, para melhor regular o peso corporal.

Influências sociais como, por exemplo, comer sozinho ou acompanhado, determinam também a quantidade de comida que ingerimos. Desta forma, quando fazemos refeições em companhia de pessoas com quem nos relacionamos, pode haver um acréscimo de cerca de 44% na quantidade de alimentos que consumimos. O número de pessoas com quem partilhamos a refeição tende a relacionar-se positivamente com a quantidade de comida ingerida, ou seja, quanto mais pessoas, maior a quantidade consumida, como acontece habitualmente em ocasiões festivas.

As questões relativas ao género influenciam também a quantidade do que comemos. Por exemplo, uma mulher pode comer cerca de 13% mais, se partilhar a refeição com um homem, comparativamente à companhia de outra mulher. O mesmo acontece se partilharmos a refeição com amigos ou familiares, podendo tender-se a comer mais.

Provavelmente por influência cultural, a ingestão varia ao longo do dia e também no decurso da semana. Em média, podemos comer 8% mais na sexta, sábado e domingo do que nos outros dias da semana. Também é possível observar um ritmo de ingestão sazonal. É exemplo desta oscilação, um aumento de cerca de 12% na ingestão energética total durante o Outono.

Existem assim flutuações dos ritmos e rituais de ingestão, fruto de variações sazonais da disponibilidade de alimentos e da interacção com factores ambientes, que nos fazem apelar à manutenção de uma forma estruturada de comer, respeitando ciclos, por oposição a um ambiente de anomia alimentar, desorganizado, com uma alimentação "monotonamente diversificada" e sem regras que desafie a nossa sabedoria biológica instituída ao longo de milhares de anos.

*Nutricionista e professora
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
patriciapadrao@fcna.up.pt