Mesa de consoada criada por Álvaro Roquette, antiquário e designer de interiores
Mesa de consoada criada por Álvaro Roquette, antiquário e designer de interiores Enric Vives-Rubio

Nutrição

Comer no Natal: festa ou contenção?

O Natal é festa, e muitas vezes é inevitável algum excesso alimentar nesta época. Pode até dizer-se que comer bastante, acima das necessidades, é muitas vezes um comportamento institucionalizado. Precisaremos mesmo de muitos alimentos diferentes como pão de nozes, pinhões, avelãs, frutos secos, bacalhau cozido, ovos, peru assado e recheado, roupa velha de bacalhau ou peru, bolo-rei, broas, rabanadas, filhós, sonhos, mexidos, aletria, bolo podre, tronco de natal, mimos de amêndoa, azevias, borrachões, fios-de-ovos ou outros manjares, num tão curto espaço de tempo? Ou deveríamos preferir estar preocupados com o peso nestes dias?

À preparação de grandes refeições no Natal associam-se, muitas vezes, imagens de intenso convívio em que na ceia se juntava família, amigos e até vizinhos, reunindo na cozinha grandes quantidades de alimentos para satisfazer o apetite voraz de número elevado de pessoas. Presentemente, a estrutura das famílias e das refeições não é a mesma do tempo dos nossos avós e cozinhar pode também obrigar a adaptar a tradição alimentar a um contexto de ingestão onde o número de pessoas na refeição é muitas vezes menor do que o de gerações passadas. Além disso, as modificações sociais recentes obrigaram a que o modo como comemos sofresse grandes alterações.

Na alimentação actual, é frequente ter disponível ao longo do ano, alimentos saborosos e ricos em açúcar e gordura, como os bolos, que perderam o estatuto da festa, do episódico, e passaram a ser consumidos frequentemente nas refeições quotidianas.

A falta de códigos sobre estas práticas alimentares recentes e a escassez de conhecimentos nutricionais, impedem que estes alimentos sejam devidamente integrados no estilo de vida moderno. Um consumidor pode ingerir um café e um queque, sem saber que só o bolo pode ter tantas calorias quantas as que existem no somatório de uma sopa de hortaliças e legumes, um pão, uma maçã e um iogurte magro sem açúcar! Ou, se preferirmos, tantas calorias quantas as que poderíamos gastar a andar cerca de 9 km a pé!

O festivo, que deveria representar um momento excepcional, de ingestão eventualmente acima do desejável é, para muitos, a continuação, mais exagerada, de um longo período de acumulação de erros alimentares, traduzido em desequilíbrios nutricionais agravadores do risco de doenças metabólicas e degenerativas (se existir doença que obrigue a cuidados nutricionais, como a diabetes, por exemplo, será importante regular a alimentação neste período).

Mais importante do que “sacrificar” o Natal é salientar a necessidade de apelar ao bom senso e equilíbrio alimentar durante o ano e usufruir do ambiente natalício para aproveitar as ofertas alimentares que lhe são tão características. Aliás, bacalhau e peru, por exemplo, apresentam-se como alternativas alimentares mais saudáveis do que carne de mamíferos, no que diz respeito à qualidade das gorduras ingeridas. Se lhe juntarmos outros alimentos tradicionalmente ingeridos como couves, azeite e alho ou frutos gordos promovemos alimentos que deveriam ter espaço privilegiado na nossa alimentação habitual.

Aproveite estes alimentos para usufruir do afecto e prazer que nos dão sem medo de comer, respeitando a subtil sabedoria reguladora do corpo, acumulada desde há milénios, e sem forçar uma ingestão excessiva, se já se sentir convenientemente saciado.

pedromoreira@fcna.up.pt
*Nutricionista e Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto