Adriano Miranda

Alimentação e peso corporal

Começa tudo na barriga da nossa avó

Num momento em que se procura implementar estratégias de alimentação preventiva tão cedo quanto possível, surgem pistas que apontam para o ambiente pré-natal, como potencialmente marcante da capacidade metabólica e funcional de diferentes órgãos, incluindo os que são importantes na regulação do apetite e do peso, para o resto da vida.

Para estimar a carga de peso nos aviões, a Federal Aviation Administration dos EUA estabelecia, em 1995, uma média de peso por passageiro de, aproximadamente, 83,9 kg no Inverno, e 81,6 kg no Verão (valores que aumentariam cerca de 4,5 kg em 2003). A variação do peso consoante as estações do ano foi também por nós encontrada em adultos jovens, registando-se de Setembro a Fevereiro, um aumento progressivo do peso e da massa gorda, e uma diminuição nos meses seguintes. Aliás, Julho é referido por outros investigadores como o mês de menor peso corporal. Mas mesmo considerando a possibilidade de existirem variações do peso e da ingestão energética ao longo do ano, na alimentação actual, os ciclos de alternância, com períodos de maior e menor disponibilidade alimentar, têm vindo a dissipar-se para dar lugar ao “permanentemente abundante”, em que a sazonalidade manda menos e “quase tudo” nos é oferecido todo o ano. Temos, assim disponíveis bolo rei ou pão de ló em dias de praia ou cerejas em pleno inverno.

Parte da ironia reside na pressão sobre os consumidores para “comer” menos, aumentar o exercício ou modificar a alimentação para prevenir doenças crónicas ao mesmo tempo que a sociedade actual facilita o consumo excessivo de energia com abundância de alimentos de alta “densidade energética” e muitas vezes relativamente baratos. A densidade energética tem-se revelado de grande importância no controlo do apetite e do peso, e traduz a relação energia/peso ou volume de alimento; assim, se ingerirmos um queque de 100 g, com cerca de 330 kcal, temos uma densidade energética de 330/100, ou seja, 3,3, enquanto se ingerirmos uma sopa de hortícolas (cerca de 250g) que forneça cerca de 70 kcal, temos uma densidade energética francamente inferior (70/250 = 0,28) e, portanto, mais interessante para o controlo do peso. Realça-se que em crianças e adultos portugueses encontramos uma associação inversa entre a ocorrência de excesso de peso e o consumo de sopa.

Num momento em que se procura implementar estratégias de alimentação preventiva tão cedo quanto possível, surgem pistas que apontam para o ambiente pré-natal, como potencialmente marcante da capacidade metabólica e funcional de diferentes órgãos, incluindo os que são importantes na regulação do apetite e do peso, para o resto da vida. Nos nossos trabalhos, por exemplo, um aumento exagerado de peso materno durante a gestação (superior a 16 kg) associou-se a maior prevalência de excesso de peso e obesidade na infância. Paralelamente, sabe-se que o feto já é capaz de engolir a partir das 12 semanas de idade, mas é necessário conhecer melhor até que ponto a aprendizagem da alimentação saudável começa ainda antes de nascer.

Num sentido mais lato e especulativo, quando uma grávida ingere uma belíssima açorda alentejana, perfumada por alhos e coentros, poderão chegar alguns destes gastronómicos aromas e sabores ao feto, ao ponto de serem quimicamente percebidos? E deixarão memórias capazes de preparar uma futura biblioteca sensorial naquele indivíduo? Os primeiros trabalhos sugerem uma aprendizagem pré-natal de odores provenientes dos alimentos ingeridos pela mãe, e este conhecimento deverá potenciar o estudo das relações sensoriais pré-natais, entre mãe e filho, que se poderão prolongar depois do nascimento através do leite materno. Com este conjunto de evidências, não ficamos longe de considerar que a alimentação e o peso que temos, poderão ter começado na barriga da nossa avó.

*Nutricionista e Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
pedromoreira@fcna.up.pt