Livros
Lagom: a medida certa, em português
O "hygge" dinamarquês foi a palavra de ordem no ano passado, da mesma forma que conceito sueco de "lagom" é hoje tópico de vários livros. Será que a próxima tendência será o "sisu", da Finlândia?
Pronuncia-se “lá-gom” e representa, essencialmente, a quantidade certa ou adequada. A palavra consta do vocabulário sueco e o conceito faz parte do estilo de vida nórdico. Tal como o hygge – o segredo para a felicidade dos dinamarqueses – fez sucesso no ano passado, a palavra exportada do dicionário sueco é hoje tema de uma série de livros, dois dos quais foram editados recentemente em Portugal.
Com dimensões e design semelhantes, poder-se-ia concluir, à primeira vista, que os livros de Lola A. Åkerström (Lagom - O Segredo Sueco para Viver Bem) e Linnea Dunne (Lagom: A Arte Sueca para uma Vida Equilibrada) eram da mesma colecção, mas não têm qualquer ligação. Representam, antes, visões distintas daquilo que é uma característica inerente a grande parte da população sueca. Há quem pense que que lagom significa o ponto intermédio de algo, mas, na verdade, clarifica Åkerström, em entrevista ao Life&Style, representa simplesmente o ponto ideal. “De certa forma, a melhor decisão em determinada situação.”
Além de representar a mentalidade do país, é uma palavra bastante vulgar no léxico sueco, dado que serve para qualificar ou quantificar alguma coisa. Assim, aplica-se às mais diversas áreas da vida. Lagom pode ser “menos é mais” – no que toca à típica decoração minimalista nórdica –, ou doses moderadas, relativamente à alimentação. Pode significar equilíbrio entre vida privada e trabalho ou então entre as preocupações individuais de cada pessoa e vontade de agir pelo bem da sociedade no todo. “É, nada mais, nada menos, do que uma palavra que as pessoas usam para descrever algo que está na medida certa – nem pouco, nem demasiado”, diz Linnea Dunne ao Life&Style.
Podemos praticar lagom ao ter controlo das nossas finanças – orçamentando e justificando de forma racional as despesas –, fazer uma pausa para fika – um ritual diário que consiste numa pausa do trabalho para socializar com amigos, acompanhado de uma chávena de café e dos típicos bolinhos de canela – colocar a funcionalidade e conforto em primeiro lugar – escolhendo, por exemplo, roupas de lavagem fácil e mantendo um guarda-roupa cheio de básicos que combinam com tudo – e ao repensar qual o melhor caminho entre casa e escritório – olhando para o mesmo como uma experiência.
De forma geral, pode dizer-se, continua Åkerström, que “o mindset lagom não gosta de stress”. Se muito pouco de alguma coisa pode causar stress, também o inverso é verdade. Dunne diz que, numa sociedades em que “toda a gente está sobrecarregada”, faz sentido que um conceito como o lagom ganhe a visibilidade que tem agora.
Åkerström – que em 2013 publicou na revista americana Slate um artigo de investigação sobre lagom – escreve sobre a origem da palavra. Existem várias interpretações, mas aquela que é geralmente aceite está relacionada com os vikings. Lagom seria uma abreviação da expressão laget om, em português “à volta da equipa”. Diz-se que uma das bebidas que estes consumiam, o hidromel, passava de mão em mão e que era suposto cada pessoa beber tomar o suficiente, de forma a que servisse para o grupo inteiro. No fundo, resume a mentalidade sueca de “ser um jogador de equipa”.
Algo que as duas autoras têm em comum é uma perspectiva de fora da cultura sueca. Åkerström nasceu na Nigéria, viveu durante anos nos Estados Unidos e mudou-se para a Suécia – onde tem família – há cerca de oito anos. Linnea Dunne, fez, de certa forma, o percurso inverso, mudando-se da Suécia para Dublin há quase dez anos.
Num sotaque irlandês quase perfeito, explica que o contraste é essencial para conseguir discernir “o que é único nos suecos e o que é simplesmente humano”. Editora da revista Scan – que trata temas relacionados com o estilo de vida escandinavo – e colaboradora de outras publicações, Dunn escreve diariamente sobre este tipo de temas. “Acho fascinante que as pessoas considerem a região nórdica interessante e olhem para a região para [encontrar] respostas”, comenta.
Tendência ou estratégia?
O interesse no estilo de vida escandinavo – desde o design à gastronomia – não é novo e tem vindo a crescer nos últimos anos. Dunne garante que lagom não é um estilo de vida – da forma como é, por exemplo, o minimalismo. “Acho que muitos suecos concordariam que é algo muito típico. Mas não é algo que as pessoas aspirem alcançar.” A autora sueca aponta para uma publicação da Vogue americana, no início do ano, como um grande catalisador, acrescentando: “É preciso tão pouco para algo se tornar tendência…”
Apesar de escrever no livro que “o lagom devia ser a grande exportação da Suécia para o mundo” – citando as palavras do autor Jonas Gardell –, a autora sueca acredita que a sua expansão para outros países aconteceu de forma natural, no contexto global do mundo actual. “Tenho a certeza que existem estrategas culturais que se sentam e pensam sobre o que se pode exportar para aumentar turismo”, mas “neste caso, acho que é orgânico”.
“Há algum tempo que as pessoas estão fascinadas com a cultura [nórdica]”, aponta. “Não me surpreenderia se [a próxima tendência] fosse o sisu da Finlândia.” De acordo com um artigo de 1940 do New York Times – com o título "Sisu: uma palavra que descreve a Finlândia” – esta palavra “é o conjunto de bravata, coragem, ferocidade e tenacidade, [e fala] sobre a habilidade de continuar a lutar depois do ponto em que a maioria das pessoas teria desistido e de lutar com a determinação de ganhar”.
“[A Suécia], como qualquer país, tem conceitos ou palavras particulares que são usados de forma comum nessa língua”, aponta Sten Engdahl, conselheiro da Embaixada da Suécia em Portugal, em entrevista ao Life&Style. Lagom “faz parte da nossa história”, aponta, “mas não é necessariamente algo [utilizado de forma] consciente”.
O diplomata vive em Lisboa há três anos – antes passou ainda por Moçambique – e consegue citar alguns exemplos portugueses. “Fado é muito mais do que uma palavra a explicar o tipo de música. Faz parte da cultura, da grande história portuguesa, da grande cultura portuguesa”, comenta. Ainda assim, continua, “talvez saudade seja o melhor exemplo: é uma palavra muito ligada à história, à cultura e à mentalidade de várias pessoas.”
Segundo Linne Dunne, lagom revela bastante sobre a psique sueca e “faz sentido quando se olha do ponto de vista histórico” para o comportamento da população do “país do leite meio gordo”. “É uma palavra que é mesmo utilizada” no dia-a-dia, mas também que demostra uma série de “aspectos culturais e emocionais” dos suecos, acrescenta Åkerström. Foi por isso que a autora quis explorar o seu conceito "em quase todos os aspectos da vida”. “Acho que é um livro para promover a compreensão cultural, mas também para ver algumas das coisas que as pessoas podem adoptar na sua própria vida”, revela.
Nenhuma das autoras espera que as pessoas adoptem cegamente as práticas descritas no livro – até porque, seguindo a própria definição da palavra, lagom tem de ser a escolha certa para cada pessoa. “Talvez não se seja uma pessoa lagom em relação ao exercício, talvez se adore desportos extremos”, exemplifica Dunne. Essencialmente, o objectivo é treinar a mente a perguntar em toda as ocasiões “o que é que eu realmente preciso?” – ou, mas palavras da autora, “uma abordagem lagom ao lagom”.