Nélson Garrido

As caras por trás das marcas

Luís e Maria João Cerdeira, os pais do primeiro Alvarinho biológico

Em 1974, o avô dos Cerdeira plantou a primeira vinha na Quinta de Soalheiro em Melgaço. Os netos seguiram-lhe os passos.

Luís Cerdeira tinha apenas um ano quando o avô plantou, em 1974, a primeira vinha, na Quinta de Soalheiro, em Melgaço. O primeiro vinho Alvarinho – e primeira marca da região – que de lá saiu já Luís, enólogo, e a irmã Maria João, veterinária, tinham nove e seis anos, respectivamente. Hoje são eles que dão cartas e lançaram, este ano, o Soalheiro Nature, feito de uvas biológicas, sem adição de sulfitos e sem filtração.

Com uma paisagem de socalcos como pano de fundo, Luís diz que a história de vida deles “se confunde com a do Soalheiro” que comemora, este ano, 35 anos. Os campos e a casa da quinta fazem parte das memórias das traquinices de criança. Ali cresceram à medida que a marca crescia – viram a garagem debaixo da casa transformar-se em adega e acompanharam o evoluir e o salto que o Soalheiro deu até aos dias de hoje.

Agora é vê-los, sorriso rasgado, de conversa fiada sobre um passado feliz, entre idas à escola, corridas de bicicleta no campo e pequenas tarefas na vinha em miúdos. Maria João fala da “grande festa que são as vindimas” em que sempre participam e que está aí à porta. Os irmãos esperam crescer 20% em relação ao ano anterior, ou seja, ter mais 60 mil garrafas do que as 300 mil de vinho Soalheiro que fizeram em 2016. E esperam ter uma produção com qualidade acima da média.

Do tempo de criança, Maria João recorda ainda os muitos rótulos que colaram e as rolhas que meteram nas garrafas quando não estavam na escola. “Também partíamos algumas sem querer ou colávamos mal um rótulo”.

Conforme foram crescendo e se formaram, ela veterinária, ele enólogo, foram assumindo mais responsabilidades na quinta. Hoje fazem parte de uma equipa de 12 colaboradores, “o Soalheiro Team”, como lhe chamam. Por aqui não há chefes; falam sempre numa equipa que se distribui pela vinha, adega e enotorismo.

Mesmo sendo veterinária e com uma clínica aberta ao público, Maria João nunca quis abdicar da paixão que nutre pela vinha. Divide o tempo entre as duas actividades. Espicaçada “pelo bichinho da vinha que se entranha neles”, como o irmão costuma dizer, Maria João assumiu, em 2004, a função de vitícola na quinta. “Não seria uma mulher completa e feliz senão o fizesse. Traz-me tranquilidade e paz de espírito" Madrugadora, a responsável pela vinha “vai todos os dias, pelas 8h em ponto, ver os dez hectares". “Vou ver se as plantas precisam de mais cuidados para depois termos uvas biológicas por altura das vindimas.”

E não imagina o irmão a fazer outra coisa senão a enologia e a trabalhar na Quinta de Soalheiro. Ele anui e vai contando: “Agora vou menos à vinha e a minha irmã vai menos à adega. Mas dominamos todas as áreas da empresa familiar”. Na realidade, conta, “aprendemos em crianças que o pequeno produtor tem de fazer um pouco de tudo”. Luís tanto passa o dia na adega como trata de e-mails ou visita os 27 clientes no estrangeiro que representam uma fatia de 40% da produção. Entre eles estão países como Alemanha, Suíça, Holanda, Suécia, Noruega, Inglaterra, EUA, Brasil e Japão. O restante produto é distribuído em Portugal.

O negócio até corre sob rodas. Só em 2016 a empresa facturou cerca de dois milhões de euros. “Esperamos crescer, este ano, 20%, porque introduzimos vinhos novos, como o Soalheiro Nature Pur Terroir – que até já está esgotado”. O enólogo garante que “é o primeiro Alvarinho natural em Portugal produzido sem adição de sulfitos e sem filtração que tem depósito em garrafa”. Na prática, esclarece, “pega-se em uvas biológicas e faz-se um vinho sem filtração”. A cor e o aroma do Nature são intensos e o sabor complexo. Os irmãos preferem chamar-lhe Soalheiro "natural" e não "biológico". Antes disso, já tinham lançado o Terramatter, feito com uvas biológicas, mas diferente. “O Terramatter tem fermentação malolática parcial em barricas de castanho, por não estar sujeito a filtração, pela selecção de uvas de produção biológica e pela vindima mais precoce, que origina um teor alcoólico moderado”. Mesmo assim, o mais vendido é o Soalheiro clássico.

“Somos uma referência no Alvarinho com um consumidor na casa dos 25 a 65 anos”, garante Luís, que fala das quatro famílias: os espumantes, os Soalheiros de fruta que são os mais aromáticos, os Soalheiros minerais e os Soalheiros naturais.

Foi a paixão e a felicidade que os dois irmãos sentem pela marca e pela vinicultura que os levou a desafiar o músico e compositor Francisco Pereira (Kiko) a criar uma música. Assim nasceu Fácil ser feliz que também serve para comemorar os 35 anos do Soalheiro com “Todos nós gostamos da felicidade e não vemos como é fácil na verdade…”. O objetivo não é ser um slogan da marca. Por altura desta conversa, já tinha 200 mil visualizações no facebook e ultrapassava as 30 mil no youtube.