Efeméride
William e Harry, o legado de Diana
Há 20 anos o mundo fez luto por uma mulher, e percebeu-se a dimensão da sua popularidade. A liberdade e empatia dos filhos são a sua herança.
À medida que se aproximava a data dos 20 anos da morte da princesa Diana, muito se foi escrevendo e dizendo – até pela própria, em gravações recentemente divulgadas. Houve novos documentários na televisão, às livrarias chegaram reedições de livros e os velhos temas regressaram à mesa de discussão: que impacto teve a tragédia na monarquia britânica? O que aconteceu na derradeira noite de 31 de Agosto? Qual a culpa dos media? Que legado deixou a princesa do povo?
Mas a maior parte das conversas motivadas pela sua morte centraram-se num só tema: os seus dois filhos, William e Harry, hoje com 35 e 32 anos. São eles que representam “o seu memorial mais potente e impressionante”, escreveu o comentador político Andrew Marr, no prefácio da reedição de The Diana Chronicles.
É verdade que, desde a morte de Diana, houve uma evolução na forma como o Palácio de Buckingham comunica, mas a estrutura da família é essencialmente a mesma. No topo da instituição está uma monarca com um dos mais longos reinados e uma taxa de popularidade bem superior àquela que tinha há 20 anos. Apenas 21% dos britânicos desejam que Isabel II (de 91 anos) abdique, em comparação com quase 50% em 1981, de acordo com uma sondagem de 2016 feita pelo instituto Ipsos MORI para o King's College.
Desde o início deste ano, os príncipes têm figurado nas capas da imprensa britânica, com relatos sinceros sobre a vida em família e as suas dificuldades pessoais. Em entrevista ao Telegraph, em Abril, Harry revelou que só aos 28 anos tomou a iniciativa de procurar ajuda profissional para lidar com o luto, depois de quase duas décadas a reprimir as emoções. "Provavelmente estive muito perto de um colapso completo em várias ocasiões", confessou, referindo o sofrimento, as mentiras e os equívocos com que tinha de lidar constantemente.
Cerca de um mês depois, William partilhou com a revista GQ, numa peça com fotografias em família, que só recentemente se começou a sentir à-vontade para falar abertamente sobre a mãe. "Consigo lembrar-me melhor dela. Demorou quase 20 anos para chegar a este ponto", conta.
Os príncipes participaram activamente num dos três novos documentários emitidos nos últimos meses, Diana, Our Mother: Her Life & Legacy. William e Harry – que tinham 15 e 12 anos, respectivamente, quando Diana morreu – lembram-na como "a melhor mãe de sempre" e revelam o remorso que sentiram por terem apressado a última conversa que tiveram ao telefone. "Harry e eu estávamos com pressa de dizer 'adeus, até à próxima, vamos sair'... Se eu soubesse o que iria acontecer não teria sido tão blasé. Esse telefonema pesa-me bastante na consciência", desabafa William no documentário, citado pelo The Guardian.
Tal como a mãe, os príncipes falam abertamente sobre emoções – algo que não acontece com outros membros da família real. Fazem-no de forma voluntária e aberta, frisando a importância de quebrar tabus acerca da saúde mental — o tema ao qual se têm dedicado nos últimos meses. Em 2016, William, Harry e Kate – a mulher de William – lançaram a campanha Heads Together, com o objectivo de promover uma discussão mais aberta sobre as dificuldades pelas quais cada pessoa passa. “Sei que pareço reservado e tímido, nem sempre tenho as emoções à flor da pele, mas em privado penso sobre os assuntos e preocupo-me bastante com as coisas", desabafou William na entrevista à GQ.
A forma como os príncipes se relacionam com os cidadãos – mostrando o seu lado mais humano – parece uma lição directamente retirada do livro de ensinamentos da mãe. A vulnerabilidade e a capacidade de empatia de Diana eram uma parte importante do seu charme, diz o jornalista de televisão Trevor McDonald. “Ela era vista universalmente como a campeã dos mais desfavorecidos”, como alguém que se preocupava com os mais desfavorecidos e os doentes e não hesitava em tocar nos doentes como as vítimas de cancro, escreveu na introdução de Diana: The People's Princess: A Celebration of Her Life and Legacy 20 Years On.
“Sentíamos que ela representava algo em que nós, os britânicos, nos estávamos a transformar – mais abertos em relação às nossas emoções, mais liberais e talvez até mais amáveis”, resume Marr.
Do conto de fadas ao pesadelo
A morte da princesa representou uma crise para a família real, reconhece o apresentador, mas esta foi ultrapassada rápida e facilmente. “Depois de reconhecer publicamente o poder de Diana, a rainha tornou-se mais popular do que nunca”, acrescenta.
Mary Dejevsky, que na altura da morte de Diana era correspondente do Independent em Washington, questiona até que ponto a monarquia realmente mudou. “O facto de Diana ter assumido as suas próprias dificuldades pode ter trazido, de algum modo, a saúde mental para a praça pública”, diz esta jornalista que considera que não é muito visível que tenham ocorrido mudanças na instituição.
A Civil List – lista dos membros da família que recebem uma renda do Estado – manteve-se quase inalterada e não se espera que os que estão fora da linha imediata da sucessão ao trono procurem uma carreira, diz Dejevsky. Mesmo a vida de William e Kate, acrescenta, está bem distante do que pode ser considerado “normal”. “A família de Katherine pode ter sido mais bem aceite na corte do que a de Diana, mas a fluidez social não existe", conclui.
Numa altura em que a Internet era muito pouco comum — e os tablóides britânicos tinham um enorme poder de influência —, muito antes das notícias ao minuto, ninguém na família real sabia jogar com a imprensa como Diana. “Durante algum tempo, pouco, ela foi uma vítima, foi explorada [pelos media], antes de ter passado de marioneta a manipuladora [da imprensa]", escreve Marr.
O conto de fadas que a ex-educadora de infância tinha imaginado, antes de casar aos 20 anos com o príncipe herdeiro, estava longe da realidade. “Num momento eu não era ninguém, de repente era a princesa de Gales, era mãe, fantoche dos media, membro da família dele. É demasiado para uma pessoa”, desafabou a princesa numa entrevista ao jornalista Andrew Morton, que escreveu o livro que no fundo é uma autobiografia, Diana: Her True Story (1992). As gravações dessas conversas – em que Diana fala da luta contra a depressão e a bulimia – foram ouvidas no documentário Diana: In Her Own Words.
Nas últimas semanas, noutro documentário, outras gravações da princesa vieram a público. São conversas que teve, entre 1992 e 1993, com o seu treinador de voz, Peter Settelen. Apesar dos vários apelos de membros da família e amigos da princesa, o Channel 4 colocou no ar os vídeos em que a princesa fala, em confidência, de pormenores da sua vida íntima com Carlos — revela que não tiveram relações sexuais durante sete anos, que saíram apenas 13 vezes antes de se casarem, e que, num dos primeiros encontros Carlos não a largava, “como uma melga”.
A reacção do público foi fraca, sobretudo depois de as principais revelações terem sido divulgadas por antecipação. Muitos consideraram o documentário intrusivo. Mas alguns dos que eram próximos de Diana disseram que "ela teria adorado”, como comentou à AP Ken Wharfe, guarda-costas de Diana entre 1986 e 1993. “Pela primeira vez, diria ela ‘as pessoas estão realmente a ouvir o que eu estou a dizer’”.
A encantadora manipuladora
“Muitos de nós, nos media, conhecíamos bem a princesa. Ela tinha um grande sentido de humor, ria-se facilmente e era infalivelmente encantadora. Mas também podia ser manipuladora e era sempre ambivalente em relação a quanto do seu estatuto real queria usar e quando”, recorda Trevor McDonald.
Na altura em que se afastava da família real, com o processo de divórcio em aberto, Diana soube usar os media como arma contra o palácio. Ela tinha dificuldade em compreender como era possível ser, ao mesmo tempo, uma e "super-estrela internacional” e alguém tratado "de forma tão má pela família real” e “pelo príncipe Carlos”, diz Andrew Morton, citado pelo Washington Post.
Na noite da morte de Diana, um grupo de paparazzi rodearam o hotel Ritz, em Paris, onde a princesa jantava com o milionário Dodi Fayed. A culpa do acidente foi rapidamente atribuída aos fotógrafos que a seguiam pelas ruas nessa noite – tal como tinham feito durante a sua vida. “Sempre acreditei que a impressa a iria matar, mas não poderia imaginar que teria um impacto tão directo na sua morte”, disse, na altura, o irmão da princesa, Charles Spencer, que foi ao ponto de dizer que editores e donos de jornais tinham as mãos manchadas do sangue da irmã.
“Qualquer insinuação de que Diana era de alguma forma responsável pelo constante sufoco de jornalistas e fotógrafos tornou-se uma blasfémia”, escreve Roxanne Roberts, jornalista no Washington Post. É “desonesto dizer que mereceu a atenção constante, mas também é igualmente injusto dizer que ela não participou activamente no processo, ao mesmo tempo que se queixava como era horrível ser tão famosa”.
As relações entre a famílai real e os media são hoje bem diferentes. Quando os príncipes pediram para os jornais não se aproximarem demasiado de Kate Middleton e, mais recentemente, da actriz Meghan Markle – namorada de Harry –, a imprensa respeitou. Vários títulos decidiram não publicar fotografias da lua-de-mel do casal, nas Seicheles, embora algumas acabaram por ser divulgadas, mas por uma publicação australiana.
Antes do casamento de William, em 2011, houve quem temesse que Kate passasse por um assédio mediático semelhante ao de Diana. Porém, apesar da sua enorme popularidade, Kate está longe de estar no lugar da sogra. Em parte, defende Andrew Marr, por não ter passado pela experiência de ser o membro central da família real, mas também por ser “mais calma e ponderada” – Diana era uma rapariga inexperiente de 20 anos quando casou, Kate tinha 29 e viveu vários anos com o namorado, antes de casar.
Assim, e de um ponto de vista optimista, o grande legado de Diana poderão ser os filhos – e as escolhas que estes puderam fazer na vida amorosa, mas não só, e que os tornam tão empáticos e comunicativos como a mãe.