Adolescer
Fui de férias só com um dos meus filhos. E vai tornar-se numa tradição
O professor norte-americano David Rockover encontrou uma solução para lidar com o crescimento dos filhos: dar atenção a cada um deles.
O meu distanciamento de todos os assuntos relacionados com a família começou no Verão em que fiz os 13 anos. Os meus pais perceberam o que estava a acontecer assim que decidi que preferia ficar com o meu melhor amigo em vez de ir para a praia com eles. Achavam que nos anos seguintes ia mudar de ideais e acabar por voltar a querer juntar-me e, portanto, deram-me bastante liberdade. E eu aproveitei ao máximo. Quando acabei o ensino secundário já ia com eles. As idas à praia com a família subitamente já me interessavam.
Foram uns curtos cinco anos de uma fase rebelde para mim, mas aposto que foi um longo e doloroso período para os meus pais. Hoje, com 44 anos e um filho a entrar na adolescência, começo finalmente a perceber como se sentiram.
O meu filho Nathan acabou de fazer 13 anos e Maddie, a minha filha, os 11. No ano passado, o Nathan deu-me a mão enquanto esperávamos numa fila num parque de diversões. Há dois anos, ainda o aconchegava na cama e ouvia-o a sussurrar “não vás, fica aqui para sempre”. Agora, é rara a altura em que me dá a mão e ainda que aceite um abraço de boas noites, tem de ser curto. Não tarda, vai fechar a porta do quarto e vou ter de bater à porta com muito cuidado para pedir para falar com ele.
Tendo isto em mente, surgiu-me uma ideia. Antes que os meus filhos entrassem na adolescência ia embarcar numa aventura de pai e filho de duas semanas para sabe-se lá onde. Se não nos trouxesse nada mais, pelo menos esta viagem iria garantir que passávamos algum tempo juntos durante uma etapa tão crucial do seu desenvolvimento.
A nossa aventura era para ser propositadamente pouco planeada. A viagem ia consistir em passar noites em hotéis, acampar em parques de campismo e dormir em casa de familiares distantes e de amigos. Quando partilhei a ideia com o meu filho o entusiasmo dele foi moderado, perguntando quanto tempo íamos passar por dia no carro e se íamos fazer actividades na natureza. Prometi-lhe que íamos comer bem, visitar estádios e andar de caiaque. Consegui agradá-lo, ainda que este continuasse desconfiado.
Quando chegou o dia de irmos embora, o Nathan despediu-se apressadamente da irmã, abraçou a mãe e sentou-se no banco da frente. Acho que ele ainda esperava que eu lhe dissesse que não passava tudo de uma grande partida. Depois de três horas no carro, de atravessarmos o nosso Estado natal de Pensylvania e de entrarmos em Ohio, ele finalmente percebeu que era mesmo verdade. Tínhamos planeado no primeiro dia pararmos em Sandusky, em Ohio, que fica quase a meio caminho do nosso primeiro grande destino, Chicago. Por essa altura o Nathan estava entusiasmado e perguntou “achas que conseguimos chegar a Indiana ainda hoje?”. Eu sorri e assim fizemos. A nossa primeira noite proporcionou-nos uma descontraída estadia na pequena cidade de Shipshewana. Nadámos e comemos má pizza e gelado aceitável. Ambos dormimos profundamente e estávamos bem descansados para o nosso curto passeio de carro até Chicago.
Sou um condutor nervoso na cidade e ele apercebeu-se. Estava subitamente mais atento e ajudou-me com as direcções. Perguntou-me como é que as pessoas sabiam para onde ir antes dos GPS serem inventados. Expliquei-lhe que usavam mapas e que se recorria à estranha arte de pedir direcções em bombas de gasolina. Ele não conseguia compreender tais inconveniências.
As longas horas passadas no carro deram-me a oportunidade de iniciar conversas. Apercebi-me que havia certos tópicos a surgir na minha cabeça, alguns que tínhamos falado brevemente em casa e que agora tínhamos tempo e oportunidade de explorar. Partilhei os meus arrependimentos de ter desistido do basebol no secundário e como deixei que os meus medos me impediram de superar desafios. Ele não disse muito, mas estava a ouvir. Contou-me que não se imagina a desistir do futebol, mas que por vezes tem medo de se lesionar. Estava grato por estas pequenas revelações.
O nosso dia mais aventureiro foi em Cave City, em Kentucky. Enfrentei os meus medos de estar em espaços pequenos ao descer 76 metros abaixo de terra para as deslumbrantes grutas de Mammoth Cave. Enquanto ouvíamos o guarda-florestal explicar a história da gruta, contemplei como os olhos do Nathan brilhavam e revi a mesma admiração que ele tinha quando tentava apanhar libelinhas em criança. A nossa viagem proporcionou-nos muitos momentos como este, momentos em que tive a oportunidade de o observar mais atentamente. Quando viajamos em família há sempre muitos outros factores em jogo: manter todas as crianças felizes, arbitrar discussões e cumprir horários. Sem todos esses outros elementos, eu e o Nathan conseguimo-nos focar um no outro e no momento que estávamos a partilhar.
Mais tarde nesse dia, fizemos um passeio de caiaque de 11 quilómetros pelo Green River, este foi o momento mais sereno e arrepiante da viagem. Estávamos verdadeiramente isolados do mundo. Sempre que a água embatia no caiaque, sempre que ouvíamos o farfalhar das folhas das árvores na margem ou sempre que ouvíamos o chilrear dos pássaros a sobrevoar as nossas cabeças, a nossa atenção era automaticamente desviada para esse acontecimento. Remávamos à vez, salpicávamo-nos um ao outro e falávamos sobre quão distantes estávamos do trabalho e da escola. Fez-me perguntas que nunca antes tinha feito em casa, tais como “fizeste isto em criança?”, “já tinhas remado tanto antes?” e “podemos voltar a fazer isto?”.
Depois de comermos o nosso prato preferido em Nashville, fomos para Oeste em direcção a Ashville, em North Carolina. Aí ficámos numa casa pequenina, caminhámos até ao topo de Chimney Rock e percorremos as ruas da baixa. Mais conversas se seguiram, derivadas do interesse de Nathan na importância que Ashville dava ao comércio local e pelo facto de ainda se estar a decidir se gostava ou não da vida citadina. “Não sou uma pessoa da cidade, mas isto não é tão impressionante como Chicago”, disse-me.
Por esta altura, já estávamos a ficar cansados. Pensámos ficar os últimos três dias a relaxar em Rehoboth Beach, em Delaware, mas depois de duas noites estávamos prontos para voltar para casa. Nathan não conseguiu esconder o sorriso que tinha na cara quando telefonou à irmã para lhe contar que íamos para casa um dia mais cedo. Tinha-a em alta voz e consegui ouvi-la a chorar. “Maddie estás a chorar?”, perguntou-lhe.
“Acho que não me tinha apercebido de quanto sentia a tua falta”, respondeu.
“Pára com isso, ainda me fazes chorar”, disse o Nathan.
Pelos vistos, a distância fez mesmo com que eles se aproximassem mais. Eu estava pasmado.
Ainda estou a reflectir sobre tudo o que vivemos naquelas duas semanas. Sei que com o tempo vai acalmar e que se vão tornar em memórias queridas.
Estou muito grato por ter tido esta aventura. Estar tanto tempo só os dois sem horários ou distracções deu-nos o espaço e o tempo que precisávamos para falar de assuntos que talvez de outra forma nunca falaríamos.
O Nathan não fala da viagem como se tivessem sido as suas melhores férias. Mas algo mudou na nossa relação. Por vezes, relembramos uma tentativa falhada de montar a tenda em Indiana, uma montanha russa em Virgínia ou aquela tartaruga a dançar o shimmy na estrada em North Carolina e simplesmente sorrimos, rimos ou abanamos a cabeça. Estes são apenas alguns dos muitos momentos que na altura pareciam comuns e talvez até insignificantes. Com que frequência pensamos isso e estamos na realidade errados? Algo me diz que estas pequenas marcas feitas em nós vão melhorar com o tempo e que vão apenas realçar todo um belíssimo conjunto de memórias que vamos guardar no baú. Uma excelente prenda sem prazo de validade para ambos.
Mal posso esperar pela próxima viagem, vai ser uma aventura entre pai e filha memorável. Maddie prepara-te!
David Rockover é professor de Inglês e colaborador do The Washington Post
Tradução de Bárbara Figueiredo Melo
PÚBLICO/The Washington Post