Empreendedorismo
A volta ao mundo em vozes de mulheres empreendedoras
The Girls On The Road está há um ano a completar uma volta ao mundo em busca de histórias de mulheres empreendedoras.
Há precisamente um ano, a 1 de Julho de 2016, as brasileiras Fernanda Moura e Taciana Mello tinham as malas prontas e um sonho prestes a concretizar-se: The Girls on The Road, um “projecto-documentário” que está a passar pelos cinco continentes para descobrir histórias de mulheres empreendedoras.
A ideia surgiu quando viviam perto de Berkeley, nos EUA, para onde se mudaram em 2013. Ao frequentarem eventos de startups e de empreendedorismo, era raro encontrarem mulheres. “Cadê as mulheres no Vale do Silício?”, perguntava-se Taciana, que no dia em que conversou com o Life&Style completava 48 anos. “Ali, no lugar mais empreendedor do mundo, tínhamos dificuldade em ver mulheres como fundadoras de empresas. E isso começou a incomodar-nos”, recorda Fernanda, de 42 anos.
O projecto começou a ganhar forma em Março de 2016. Depois de pesquisar estudos e relatórios sobre empreendedorismo e sobre a condição das mulheres, um dos pontos críticos que encontraram foi precisamente a falta de modelos femininos. “As mulheres não vêem outras mulheres empreendendo”, explica Taciana, que construiu a sua carreira no marketing corporativo.
Quatro meses depois, a dupla já tinha “vendido tudo” e estava “com o pé na estrada”. No último ano, passaram por mais de 15 países da Ásia, do continente americano e da Europa, e vão continuar a viagem pelo Médio Oriente e África.
As mulheres em Portugal
No final de Junho, fizeram paragem em Portugal, onde entrevistaram mais de dez mulheres empreendedoras, além de investigadores e jornalistas.
Ambas vêem o país como terreno fértil para empreender, tanto na área da tecnologia como noutras. “Existe um esforço grande do país em ter espaços de co-working, aceleradoras de empresas”, aponta Fernanda Moura, que começou como advogada e trabalhou como consultora nos EUA. “Há programas que estimulam a entrada de mulheres na área de tecnologia, embora todas elas refiram que há um espaço muito grande a ser preenchido”, ressalta Taciana Mello.
Em Portugal, as mulheres entrevistadas pelo projecto The Girls On The Road têm trazido temas que também são comuns às mulheres de outros países, como “o sexismo, a maternidade, os desafios de conciliar tudo isso”. “Há ainda a questão de ter que se provar muito mais enquanto empreendedora, de ter que se justificar muito mais do que os homens”, sublinha Taciana.
Pelo menos duas empreendedoras portuguesas relataram casos em que, em reuniões com clientes, sentiram que “havia dúvidas em relação às suas capacidades, e isso foi deixado muito claro”. Noutro caso, uma empreendedora tentou por duas vezes conseguir financiamento de um banco, sem sucesso, até ao momento em que levou um homem consigo.
"Fogo amigo" vs solidariedade
Ao longo do projecto, foram entrevistadas mulheres em diferentes etapas dos seus negócios. “Não adianta mostrar só os ídolos. Entrevistamos empreendedoras dos 19 até mais de 60 anos, de várias indústrias”, explica Fernanda. Os negócios surgem por diversos motivos, desde produtos inovadores até à melhoria de serviços que já existem. Noutros casos, há mulheres que criam os seus próprios negócios por necessidade – e isso não acontece só nos países em desenvolvimento. “É preciso mostrar às mulheres que há mulheres a empreender em diversas condições. O pano de fundo do nosso projecto é sermos capazes de mostrar essas diferentes situações, os diferentes contextos desses negócios”, explica Taciana.
O caminho é quase sempre espinhoso. E algumas empreendedoras queixam-se de que “os piores críticos são muitas vezes outras mulheres”. “Vêm tiros de onde menos se espera, é o que a gente chama de 'fogo amigo'”, brinca Taciana.
Um caso que marcou o projecto foi o de Teresa Truda, co-fundadora da Chozun, uma plataforma para viagens de negócios. Ao fazer um pitch a uma investidora, a empresária australiana recebeu como resposta: “não invisto em empreendedoras, porque acredito que as mulheres têm um lugar em casa”.
A regra entre as empreendedoras entrevistadas, no entanto, parece ser a de não deixar que outras mulheres fiquem de fora. As realizadoras descrevem que a maioria das mulheres com quem conversaram para o projecto “faz questão de dar oportunidades a outras mulheres, das novas gerações ou mesmo às mais experientes que estão a tentar regressar ao mercado de trabalho”.
Uma das perguntas que Fernanda e Taciana fazem nas entrevistas é “qual é a melhor forma de apoiar uma empreendedora?” Na maioria das vezes, a resposta é consistente: “compre de outras mulheres, apoie o negócio de outras mulheres”. Em alguns casos, conta Taciana Mello, algumas referem mesmo que “sempre que têm de comprar um serviço para a empresa, se encontrarem duas opções com as mesmas condições, dão prioridade ao negócio liderado por uma mulher”. “Isso vai ajudá-la a desenvolver-se, e à medida que ela se desenvolve ela aprende, enriquece, fortalece-se, torna-se um exemplo”.
Austrália foi uma decepção
O machismo também espreita, de forma mais ou menos clara. As realizadoras recordam um exemplo do México, onde “há mulheres que dizem ao marido que ganham metade do que recebem na realidade para ele não ficar chateado.” Para Fernanda e Taciana, por exemplo, a Austrália foi uma decepção. “Existe muito machismo e as mulheres ainda têm dificuldade de se impor na sociedade. Por exemplo, a licença de maternidade tinha sido implementada há pouco tempo no país”, conta Taciana. “Apesar de serem de diferentes culturas, os desafios podem ser muito semelhantes. Ainda temos muito que evoluir”, completa.
Um dos problemas transversais a todos os países visitados é a conciliação do trabalho com as responsabilidades tradicionalmente atribuídas à mulher enquanto cuidadora.
Fernanda recorda como uma empreendedora sul-coreana resolveu esse dilema: “Quero trabalhar porque é assim que me sinto feliz, e só sendo feliz é que vou conseguir criar crianças felizes”.
Outro conselho partiu de uma das portuguesas entrevistadas: “Tens que escolher muito bem com quem te casas, porque isso pode ser determinante na tua família”. “Ser empreendedora já é difícil pela actividade em si”, aponta Taciana. “Se ainda tivermos que convencer as pessoas que estão ao nosso lado que é importante… Ajuda muito ter alguém que incentiva, que apoia, chegar a casa e saber que podemos trocar ideias”, completa Fernanda.
(Still) On The Road
Fernanda e Taciana ainda têm mais quatro meses de filmagens pela frente, que deverão resultar num documentário e num livro. E o que virá depois?
“Estamos com muita vontade de construir algo aqui em Portugal”, revela Fernanda ao Life&Style. “Portugal está com um apelo muito grande para o empreendedorismo, e tudo o que conseguimos neste ano e meio até ao final do projecto podemos trazer para aqui para ajudar a impulsionar ainda mais esse empreendedorismo feminino”.
Ao longo do percurso, promover o empreendedorismo feminino “foi uma curiosidade que se transformou numa paixão”. “É como se fosse uma obrigação nossa continuar nessa estrada. Este conhecimento que agora temos, o conteúdo que conseguimos, essa sensibilidade em relação às mulheres empreendedoras, isto é algo que não podemos deixar passar”, sublinha Taciana.
Para já, ainda é preciso financiar a conclusão do “projecto-documentário”, para que possa chegar ao maior número de mulheres possível. “Basicamente, temos pago quase tudo do nosso bolso”, explica Taciana. “Não deixa de ser a nossa vida como empreendedoras, tirando isso do papel, fazendo isso acontecer”. Contudo, conseguir financiamento é um problema que não assusta esta dupla. “O empreendedorismo é muito mais uma atitude, tem que usar resiliência, criatividade, proatividade”, elenca Fernanda. “Ser empreendedor é isso, é ser um resolvedor de problemas”.