BULENT KILIC

Viagens

Finalmente fui de lua-de-mel, sozinha

Ali, pensei eu. É ali que quero ir com o amor da minha vida. Dezasseis anos mais tarde, tinha um itinerário muito bem delineado mas não um marido.

No Outono de 1998, enquanto estava numa aula de História de Arte, decidi onde, um dia, eu e o meu marido iríamos passar a nossa lua-de-mel. O professor abriu um novo slide e ali estava: o Museu de Hagia Sophia, em Istambul.

Lembro-me de nos ensinar o significado de Hagia Sophia, “sabedoria divina”. Contou-nos que, quando foi construída no século VI, era a maior catedral do mundo e que assim permaneceu por quase 1000 anos. No século XV, foi transformada numa mesquita. O meu professor falava sobre como os mosaicos bizantinos se interligavam com os painéis de caligrafia árabe. E como se fossemos a uma certa hora do dia víamos a luz do sol entrar pelas janelas de tal forma que fazia parecer que a cúpula estava a flutuar. 

Pode parecer estranho, mas para mim, esta fusão de religiões e culturas era a coisa mais romântica à face da terra. 

Ali, pensei eu. É ali que quero ir com o amor da minha vida, para sentir paz e admiração, e para ficarmos para sempre unidos através da união sagrada. Tinha andado a ler muito Rumi.

Na altura não fazia ideia sobre quem seria o amor da minha vida mas achava que não iria demorar muito a encontrá-lo. 

Ao longo dos anos, e ao aprender mais sobre a Turquia, o plano para a minha lua-de-mel de fantasia foi ganhando ainda mais pormenores. Enquanto estudava no estrangeiro, em Melbourne, na Austrália, provei pela primeira vez comida turca. Decidi então que eu e o amor da minha via iríamos vaguear pelas ruas de Istambul à procura do melhor doner kebab. Enquanto trabalhava em Nova Iorque, na Strand Book Store, encontrei um livro de fotografia com as mansões ornamentadas ao longo do Bósforo. Eu e o amor da minha vida iríamos passear de barco para as ver. Enquanto conversava com passageiros, depois de me tornar hospedeira de bordo, ouvi falar sobre a região de Capadócia. Eu e o amor da minha vida iríamos certamente fazer um passeio de balão de ar quente durante o nascer do sol pelas formações rochosas chamadas de “chaminés de fadas”. Enquanto estudava jornalismo em Chicago, procurei um grupo de sufis americanos que dessem aulas de meditação Whirling, ou giro sufi. Eu e o amor da minha vida iríamos recitar poemas de Rumi um ao outro enquanto víamos dervixes rodopiar. Como é óbvio.

Dezasseis anos mais tarde, tinha um itinerário muito bem delineado mas não um marido. Mesmo reduzindo o significado para uma mera viagem romântica com um namorado de longa data, ninguém preenchia os critérios. Tive três relações que duraram seis meses cada uma, vários amores não correspondidos que duraram anos, alguns namoricos passageiros e imensos primeiros encontros.

Pelo Outono de 2014, parecia claro que, com 34 anos, era altura de admitir que eu não era uma das que tinha um “amor da vida”. Estatisticamente era possível, apesar da insistência da minha mãe de que qualquer homem que não me amasse era um idiota. De acordo com o Centro de Investigação Pew, apenas 7% das pessoas com mais de 64 anos nunca chegaram a casar. Conhecia algumas mulheres nos seus cinquentas e sessentas que nunca tinham casado e ainda que algumas fossem infelizes, a maioria parecia disfrutar da sua própria companhia. Ao contrário de mim, elas não puseram parte das suas vidas em espera nem preencheram as suas agendas para se distrair da sua solidão.

Como seria se aceitasse o que parecia ser o meu destino? Decidi experimentar.

Num curto espaço de tempo ganhei mais de seis quilos e meio, por deixar de tentar ter um peso “desejado”. Comecei a ir a eventos destinados a mulheres ou eventos mais espirituais, sabendo que não iria encontrar nenhum homem por lá. Deixei de me obrigar a sair, optando por me divertir em casa a ver Netflix ou a ler um livro no conforto do meu pijama.

Entre todas estas mudanças, descobri uma publicação num blogue sobre “curar a doença de estar ocupada”. Estava particularmente bem escrita e decidi ler a biografia do autor. Era um professor da Universidade Duke e dizia que fazia viagens de grupo à Turquia com pessoas ecuménicas e espirituais. Verifiquei o itinerário, tudo o que queria fazer na minha lua-de-mel de fantasia estava ali, até a viagem de balão. O prazo para inscrição terminava dentro de poucas semanas. 

“Pára de esperar. Vai de lua-de-mel”, dizia uma voz dentro de mim.

“Não, fica à espera. Talvez venhas a conhecer alguém”, dizia a parte ansiosa de mim.
Paguei o sinal. 

Na minha lua-de-mel, em Maio de 2015, caminhei por Istambul à procura de doner kebab, não com o amor da minha vida mas com Waheed, um doutor recentemente viúvo de Michigan, que também fazia parte do grupo. Passeei de barco no rio Bósforo com Valerie, uma irreverente sul-africana que vivia em Barcelona. Andei de balão de ar quente na Capadócia com Miriam, um prodígio de 17 anos que estava a fazer uma pausa dos estudos e que me chamava de “gémea”, apesar de ter metade da minha idade. E vi os dervixes rodopiar sentada com Gehad, uma jovem egípcia que estudava com paixão a poesia de Rumi com um professor Sufi. 

Quando finalmente senti o ar fresco dentro de Hagia Sophia, estava sozinha. Pelos meus finos sapatos conseguia sentir todas as depressões do chão de pedra, causadas pelos milhões de passos ao longo de 1500 anos. E aquela sensação de paz e admiração que imaginava que ia sentir com o amor da minha vida? Esteve em mim o tempo todo.

Nove meses depois recebi uma mensagem no OkCupid do Bobby, um programador de 37 anos.

“Bela foto de perfil. É Hagia Sophia, certo?”, perguntou-me. “Há muito que lá queria ir, desde os meus tempos de escola. Consegui finalmente no ano passado!”

O nosso primeiro encontro foi normal: tacos no bairro e conversas sobre família, empregos, viagens. Mas no passeio à porta do restaurante, onde nos deveríamos despedir e seguir caminho, começámos uma segunda conversa que durou quase uma hora. A certa altura, estávamos os dois a imitar L. Ron Hubbard a fazer o moonwalk. “Alguém assim tão confortável consigo mesmo durante um primeiro encontro é alguém que quero conhecer melhor”, pensei. 

Depois de três meses de namoro com o Bobby, recebi um e-mail com uma promoção espectacular em voos da Delta Air Lines. Os destinos possíveis eram Dublin, Munique e, pensaram bem, Istambul. 

“Então... eu… vi que as datas disponíveis coincidiam com o nosso primeiro aniversário de namoro”, disse-lhe durante o jantar. “Se ainda estivermos juntos…” Ele sorriu. Apesar dos maravilhosos mas poucos meses que partilháramos juntos, sabia que ele se preocupava com a minha “ainda por apurar” capacidade de me comprometer. Eu também. “Vamos”, disse-me. “Mas porque não vamos a um sítio em que nenhum de nós tenha estado antes? Irlanda?”

Acordámos que mesmo que a relação não resultasse, seríamos capazes de aguentar a incómoda viagem de avião, ao lado um do outro, e depois seguiríamos viagem separadamente. 

Essa viagem foi há uns meses. Quando o avião descolou estávamos de mãos dadas. A nossa próxima viagem vai ser a nossa lua-de-mel. A minha segunda, mas a nossa primeira.

Tradução de Bárbara Melo

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post