Trabalho
Se uma empresa não fizer reuniões à sexta-feira, já está a ajudar as famílias
Estudo compara percepções sobre trabalho doméstico em 20 países e Portugal surge como aquele onde este é menos valorizado.
Portugal é, num conjunto de 20 países, aquele onde as pessoas mais se queixam que a sociedade valoriza mais o trabalho fora de portas em detrimento do doméstico. A conclusão está contida no estudo Global Home Index. A sua coordenadora, a argentina Patricia Debeljuh, passa nesta sexta-feira em Lisboa para deixar o alerta: está na hora de valorizar e tornar presentes nas contas públicas tarefas como limpar a casa, preparar as refeições para a família e cuidar dos filhos ou idosos.
“Os estados têm de se começar a preocupar em valorizar este aporte que as pessoas trazem quando cuidam das suas casas e dos seus familiares através das suas políticas fiscais”, sustentou ao PÚBLICO a directora do Centro de Conciliação Família e Empresa de Buenos Aires, uma das entidades envolvidas neste estudo, apoiado pelas Nações Unidas, e cujos inquéritos se alargaram a 100 países.
Nos resultados preliminares que são hoje apresentados em Lisboa, e que coligem cinco mil inquéritos a pessoas de 20 nacionalidades, entre os 25 e os 65 anos de idade, Portugal destaca-se por ser o país, seguido da Itália, que obteve a percentagem mais alta de valorização do sucesso profissional em detrimento das tarefas domésticas. Confrontados com a frase “A sociedade valoriza mais o êxito profissional do que a dedicação às tarefas domésticas”, 79% das portuguesas inquiridas responderam “sim” bem como 67% dos portugueses. No Reino Unido, por exemplo, a concordância não foi além dos 53% e dos 52%, respectivamente, enquanto em Espanha se fixou nos 59% (mulheres) e 57% (homens).
“Não sair para trabalhar fora de casa não é bem visto e recebi muitos comentários desagradáveis por esta decisão que tomei a pensar na família. A verdade é que a sociedade te pressiona e te faz sentir que se não tens uma carreira profissional ou um trabalho de sucesso não és útil à sociedade porque não geras dinheiro”, declarou uma mulher portuguesa, casada, 40 anos.
“A valorização da vida profissional passa muito pela remuneração e prestígio, enquanto o trabalho doméstico se mede por uma lógica de cuidado, generosidade, carinho e entrega que não se conseguem pôr em euros”, interpreta Patrícia Debeljuh, para quem a prova de que o trabalho doméstico não é valorizado se mede pelo escasso número dos que declararam ter procurado algum tipo de formação para o executar.
“Alguém que gere uma casa devia ter conhecimentos básicos de nutrição, porque alimentar um bebé é diferente de alimentar um idoso; de enfermagem, porque se há um acidente os primeiros socorros são prestados em casa; e até algumas noções de decoração. É um trabalho multidisciplinar mas o estudo mostrou que são muito poucos os que procuram essa capacitação”, observa a investigadora. Em Portugal, apenas 5% das mulheres declararam tê-lo feito contra 2% dos homens.
No Uruguai a reforma chega mais cedo
Mais do que se limitar a enunciar princípios, a argentina defende benefícios fiscais para quem assegura os trabalhos domésticos. E aponta o exemplo do Uruguai. “Aí a mulher que trabalha fora de casa pode reformar-se um ano antes da idade mínima por cada filho que tenha, porque o Estado reconhece que, além da profissão, essa mulher esteve a criar os seus filhos." E porque ficou provado que as tarefas domésticas – invisíveis e altamente feminizadas na generalidade dos países – contribuem para um maior bem-estar “emocional, social e psicológico” de um vasto leque de pessoas, urge chamar também as empresas a assumir essa “responsabilidade familiar”, incentivando-as a “superar a lógica de conflito entre trabalho e família”.
“Na Argentina, a família surge como a primeira motivação para as pessoas trabalharem. E os empresários têm muito a ganhar em produtividade e lealdade se conseguirem que os empregados cheguem a casa sem ser cansados e preocupados”, situa, para garantir que muitas destas medidas de “responsabilidade familiar” podem ser “de zero custo e alto impacto”. Exemplos? “Não fazer reuniões de trabalho à sexta-feira porque inevitavelmente as pessoas saem das reuniões com mais trabalho e acabam por levar essas preocupações para casa, optando por fazê-las antes à segunda-feira”, aponta Patricia. Ou ainda: “Dar tempo e um espaço confortável para que uma mãe que esteja a regressar ao trabalho depois de uma licença de maternidade possa extrair o seu leite.”
Na comparação entre os 20 países, os portugueses destacam-se ainda por serem dos que mais se afligem com a percepção de que o trabalho fora de casa os leva a negligenciar a família. Confrontados com a frase “As obrigações laborais levam-me a descuidar o tempo dedicado a casa e à família”, 84% dos homens e a mesma percentagem das mulheres portuguesas responderam que sim. Em Espanha, a concordância desceu para os 53% (mulheres) e 58% (homens). E no Reino Unido desceu mais, para os 46% e 44%, respectivamente.
Filhos deviam ajudar mais
À excepção da Bolívia e do Canadá, mais de 60% dos participantes dos diferentes países concordaram que as tarefas domésticas ajudam a desenvolver competências para a vida, com Portugal a assumir, mais uma vez a dianteira: 78% das mulheres e 75% dos homens concordaram com esta premissa, numa percentagem superada apenas pelos brasileiros. Esta crença no carácter pedagógico das tarefas domésticas parece, contudo, não encontrar tradução na partilha destas tarefas domésticas com os filhos: em Portugal apenas 22% declararam distribuir as tarefas pelos diferentes membros da família, contra 31% nos Estados Unidos e 30% no Canadá. “Face a estes resultados, pode inferir-se que a angústia que sentem as famílias em relação aos encargos com os afazeres domésticos poderá dever-se ao pouco envolvimento dos filhos nestas tarefas que são uma obrigação de todos os membros em função das sua idade e possibilidades”, conclui o estudo.
Curiosamente, e atendendo a que o trabalho doméstico é em Portugal ainda altamente feminizado, foi alta a percentagem de portugueses que disseram concordar com a frase: “Para mim é importante ocupar-me das tarefas domésticas”: 74% dos homens portugueses subscreveram esta afirmação, contra apenas 51% das mulheres. Do outro lado da fronteira com Espanha, a declaração suscitou a concordância de apenas 38% das mulheres e 33% dos homens. Numa análise mais fina, e mais consentânea com outros estudos sobre esta matéria, porém, apenas 8% dos homens portugueses declararam ocupar-se eles próprios das tarefas de casa, contra 38% das mulheres.
Elas têm mais habilitações do que eles, mas continuam a ganhar menos