Gato das Botas
O Tio Pepe desta Primavera, em rama ou sem rama, é o vinho fino para esta Primavera
O Tio Pepe como vinho é uma obra-prima de equilíbrio e de personalidade. O que é incrível é nunca nos deixar ficar mal. Só pede para ser um engarrafamento recente.
A garrafa de Tio Pepe en Rama 2017 indica claramente no rótulo que foi engarrafada no dia 22 de Abril de 2017. A garrafa de Tio Pepe normal não tem a data do engarrafamento mas tem uma data-limite de Janeiro de 2018. Saúde-se já este notável exemplo de honestidade. A fabulosa manzanilla La Guita, feita por Eduardo Ojeda, também traz sempre a data-limite.
Esperemos que esta transparência seja, se não imitada, exigida pelos consumidores que gostam de comprar garrafas frescas, o mais próximas possível do momento do engarrafamento.
Há muitas opiniões diferentes sobre o tempo que os finos e as manzanillas do Marco do Jerez duram na garrafa. A escola do irrepreensível Jesus Barquin mantém que estes vinhos podem e devem melhorar em garrafa enquanto que a velha escola avisa que se deve beber o vinho o mais depressa possível.
Em Sanlúcar de Barrameda havia velhos bodegueiros, como Gaspar Florido, que chegavam a dizer que a manzanilla só presta se for extraida da “bota”, do barril. Apesar dele vender garrafas de vidro de manzanilla, devidamente seladas, ele confessou a Christopher Fielden, autor do imprescindível livro Manzanilla, que a manzanilla da bota era terapêutica enquanto a de garrafa era “tubercular”.
Parece-me que ambas as escolas têm razão. Depende da pessoa que está a beber. Eu, por exemplo, aprecio mais a versão fresca, mais bem filtrada e estabilizada, das manzanillas e dos finos. Gosto igualmente dos mostos jovens que se vendem em Sanlucar. Bebem-se directamente dum barril (embora já tenham sido filtrados) ou, heresia das heresias, compram-se em bags in box por tuta e meia. Não podem chamar-se manzanillas porque não são autorizadas pelo rigorosíssimo Conselho Regulador nem têm o mínimo de 3 anos de idade.
O importante é manter o espírito aberto. Assim como os vinhos do Jerez vão desde os vinhos mais secos (manzanillas, finos, amontillados e olorosos) aos vinhos mais doces (Pedro Ximénez), também as manzanillas e os finos têm várias interessantíssimas edições, desde o estilo do mosto jovem ao amontillado 4 palmas do Tio Pepe que, apesar dos 50 anos de idade, ainda mostra as origens distantes como fino, quando começou a envelhecer sob o manto protector do véu de flor.
De jovem e não-oxidada a velha e oxidada há pelo menos quatro estilos. De certa maneira a terminologia antiga era mais clara, por falar-se num fino amontillado ou num fino oloroso e, por outro lado, quando as características se invertem por causa da oxidação e do envelhecimento, dum amontillado fino ou de um oloroso fino.
Neste plano faz mais sentido dividir os vinhos só em finos (só com envelhecimento biológica, sem oxidação) e em olorosos (só com envelhecimento oxidativo). À medida que os finos envelhecem chega um ponto - por volta dos 9,10 anos - em que a camada de flor começa a dissipar-se e o vinho começa a oxidar.
As manzanillas pasadas - que era o estilo de todas as manzanillas até aos anos 1970 - são mais ou menos levemente oxidadas. Tendem a ser mais saborosas e complexas. São também, obviamente, um bocadinho mais caras.
Para quem nunca provou estes maravilhosos vinhos o melhor será começar pela Manzanilla La Guita, Gitana ou Muy Fina da Barbadillo e, no caso dos finos, pelo Tio Pepe. A partir daí pode-se ir progredindo para as outras idades e outros estilos, podendo-se apreciar as transições. As garrafas custam entre 4 e 8 euros, uma pechincha para vinhos tão bem feitos.
António Flores é não só o grande criador de todos os vinhos da González Byass como um exímio mestre e comunicador. Para principiantes os vídeos dele são deliciosos e esclarecedores. Recomendo, para começar, toda a série #HacedorResponde e depois, caso se queira mais um bocadinho de pormenor, a série The Pillars of Jerez. O melhor video curto (11 minutos) sobre os vinhos do Jerez é The Wines of Sherry da GuildSomm.
O Tio Pepe como vinho é uma obra-prima de equilíbrio e de personalidade. O que é incrível é nunca nos deixar ficar mal. Só pede para ser um engarrafamento recente.
A versão em rama que é menos filtrada e feita a partir de apenas 60 botas escolhidas por serem superiores à média é mais saborosa e enche mais a boca mas é claramente um fino Tio Pepe. Vale os 18 euros que custa mas, lá está, não vale as 3 garrafas de Tio Pepe que se poderiam comprar com o mesmo dinheiro.
Fossem todos os dilemas tão gulosos como este...