Seminário
Ensinar a ler… publicidade
Às vezes, a publicidade torna as crianças infelizes. Confundem imagens reais com “aspiracionais” e dão cabo do amor-próprio. Há quem se preocupe com isso. Ainda bem.
Dotar as crianças de sentido crítico perante o que vêem nos diferentes media, ensiná-las a descodificar as mensagens, a perceber o que está por detrás das marcas e ajudá-las a separar o que é real do que é construído e exagerado para as levar a diferentes consumos são alguns dos propósitos do programa Media Smart, que nesta quinta-feira promove um seminário na Direcção-Geral de Educação, em Lisboa.
Manuela Botelho, porta-voz do programa, diz que “o mais interessante do Media Smart (que existe desde 2008) é estar focado nas crianças dos 7 aos 11 anos, que ainda "não têm o sistema cognitivo completamente desenvolvido e são facilmente manipuláveis”. Como se explica no site do programa, nestas idades, os miúdos “necessitam de apoio para compreender as mensagens publicitárias que lhe são dirigidas ou outras que, não lhe sendo dirigidas, fazem parte do seu quotidiano”. Trata-se, portanto, de “media literacia”.
A secretária-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes, que gere o programa (sem fins lucrativos e parceiro da Universidade Católica Portuguesa), felicita-se com “o aumento de consciência de algumas marcas em relação a problemas como a obesidade, por exemplo, e que até deixaram de comunicar directamente com este grupo-alvo”, casos da Coca-Cola e McDonalds.
No entanto, lembra que os rostos e corpos que as mensagens publicitárias exploram continuam a ser “perfeitos”, o que “interfere com questões de auto-estima das crianças”, por isso querem ajudá-las “a distinguir as imagens aspiracionais das reais”. Acrescenta ainda que “a tecnologia e as tendências sociais actuais aumentaram o acesso das crianças e dos jovens aos media e à publicidade, criando novos estigmas que importa compreender e clarificar”.
Auto-estima dá coragem e energia
Daí o mote do seminário dirigido a professores e educadores: “Imagem corporal e auto-estima – Representação pessoal e media”. A abordagem da auto-estima em contexto educativo ficará a cargo de Susana Paiva, a coordenadora do Media Smart, que justifica assim a sua importância: “Ajuda a manter uma percepção positiva da vida e faz com que cada um de nós se sinta orgulhoso da pessoa que é, tanto por dentro quanto por fora; a maioria dos adolescentes, com boa auto-estima, acha que a vida é muito mais agradável, tendem a ter relacionamentos melhores (com amigos e com pessoas adultas), acham mais fácil lidar com os erros e desapontamentos, e, normalmente, insistem numa tarefa até que obtenham êxito.”
Esta atitude positiva vai proporcionar na criança, no jovem e também no adulto “coragem para fazer coisas novas”, “energia para acreditar” em si próprio, “confiança para fazer escolhas saudáveis para a mente e corpo, agora e durante toda a vida”.
Susana Paiva lembrará ainda que devemos “tratar-nos com respeito e entender que cada parte de nós merece cuidado, amor e protecção”, ou seja, “manter uma atitude saudável em relação a nós mesmos”. Sem esquecer que tudo isto leva tempo e “pode dar muito trabalho”.
Deste seminário fará parte também uma mesa-redonda, que reunirá a psicóloga Amélia Caldeira Ribeiro, a nutricionista Maria Paes de Vasconcelos e a actriz Sandra Barata Belo, que trarão as suas experiências profissionais para o debate. Desta forma, “serão abordados distintos ângulos de análise que devem ser tidos em conta para apoiar o pensamento crítico e, consequentemente, a interpretação que crianças e jovens fazem da realidade veiculada nas redes sociais e nos meios de comunicação social”, acredita Manuela Botelho.
Fazendo parte de uma associação de anunciantes, a porta-voz do programa sabe que “a publicidade tem um propósito, que é o de ser eficaz no consumo e na competitividade”, mas bate-se para que “as empresas tenham preocupações sociais, promovendo uma comunicação de marketing responsável”.
Os associados da Associação Portuguesa de Anunciantes representam um volume de vendas superior 46 mil milhões de euros, mais de 75 mil postos de trabalho directos e cerca de 75% do investimento publicitário português, informa a organização do encontro.
O programa Media Smart conta com 11 peritos, presididos por Roberto Carneiro (professor e investigador da Universidade Católica), “que supervisionam os conteúdos e os materiais a utilizar”, e tem o apoio dos ministérios da Educação e da Saúde.
A encerrar o seminário, João Carlos Sousa, director de serviço de projectos educativos da Direcção-Geral da Educação, a quem gostaríamos de ter perguntado qual o nível de adesão dos professores a estes programas, assim como o efeito nos alunos — mas o responsável não esteve disponível.