JOAO GUILHERME / PUBLICO

Tecnologia

Devemos controlar os nossos filhos através do telemóvel (e não só)?

Andamos a vigiar todos os passos dos nossos filhos – e eles sentem-no.

O meu telemóvel vibra pela terceira vez durante uma reunião com o chefe de departamento da universidade onde dou aulas. “Precisa de atender?” pergunta ele. Eu coro, ao aperceber-me de que o meu ecrã está cheio de notificações do diário online da turma da minha filha mais velha e do feed do Twitter da turma da minha filha mais nova.

Depois da reunião, toco com o dedo indicador no ecrã para desbloquear imagens das minhas filhas. Ao examinar as fotografias, tenho uma sensação de melancolia. Fico contente por ver a concentração delas. Admiro os projectos inteligentes do professor. Reparo que o cabelo da minha filha está despenteado e que lhe está a cobrir os olhos. Preocupo-me com a possibilidade de ela não conseguir ver o quadro. Faço uma nota mental para lhe comprar elásticos para o cabelo melhores. Reparo no olhar agitado da minha outra filha e que a postura dela a afasta ligeiramente das outras meninas, o que indica um conflito. Vou ter de lhe perguntar o que aconteceu. Entro na reunião seguinte a pensar em elásticos para o cabelo e grupinhos.

Mais tarde, uma das minhas alunas da universidade entra alegremente no meu gabinete. Ela conta-me que a mãe dela acabou de lhe ligar para dizer que tinha visto que a estudante tinha tido 93% no nosso último exame. “Sim, dei-lhe a password da minha plataforma Blackboard e eu ainda não tinha ido ver a nota,” diz ela.

Fico espantada por a mãe de uma universitária andar a vigiar a pauta de notas online. Pergunto-me como teria sido o telefonema da minha aluna com a mãe se ela não tivesse tido 93%.

Nesse mesmo dia, quando vou buscar a minha filha, ela diz-me que foi chamada à secretaria da escola para ir buscar uma coisa. Ficou preocupada porque pensou que estava metida em sarilhos. Pergunto-lhe porque é que tinha pensado isso.

“O professor falou contigo sobre alguma coisa?”

“Não, mamã, mas tive medo que as câmaras nos corredores me tivessem apanhado a falar com a minha amiga quando estávamos em fila,” disse ela.

“Câmaras?” pergunto eu.

“Sim, mamã ­– há câmaras em todo o lado.” Eu olho para cima e, de facto, vejo redomas pretas montadas no tecto.

Andamos a vigiar todos os passos dos nossos filhos – e eles sentem-no.

Em nome da transparência, da protecção e do envolvimento dos pais, as escolas estão a começar a implementar tecnologia acessível aos pais nas salas de aula. Há o e-mail, é claro, e os websites das escolas – mas agora podemos aceder a diários online, salas de aula online e contas nas redes sociais para estar a par do dia dos nossos filhos.

Como mãe, sinto-me completamente seduzida pela transparência tecnológica nas salas de aula. Entendo que pais com filhos com problemas de saúde e de comportamento se podem sentir mais confortáveis ao vigiar de forma passiva o dia deles. Entendo o dom incrível de ligação que isto pode proporcionar aos pais que estão a trabalhar no estrangeiro ou que têm empregos que tornam impossível fazer uma visita à sala de aulas. As fotografias que recebo das minhas filhas na escola aliviam a minha culpa como mãe que trabalha, ao permitir-me sentir que estive a ver como elas estão. E adoro ter informações específicas para alimentar conversas sobre o dia das minhas filhas. A conversa sobre “o que fizeste hoje na escola?” não tem de acabar só porque a minha filha responde “nada”. Eu vi com os meus próprios olhos o foguetão-modelo que construíram e posso fazer-lhes perguntas sobre coisas que vi serem mencionadas online.

Mas também me lembro de como era ser aluna. Eu gostava da escola sobretudo por ser um lugar onde podia ser invisível perante a minha rígida família. A escola deu-me liberdade para fazer experiências com a minha identidade.

No início de cada semestre, começo por pedir aos meus alunos da universidade para responderem à seguinte pergunta: “Se pudesses ter um superpoder qualquer, qual é que seria?” É uma forma parva de quebrar o gelo, com o objectivo de aliviar a tensão e dar-me uma noção rápida de quem eles são. Mas, num mundo em que controlamos todos os movimentos dos nossos filhos, não é muito surpreendente que os alunos escolham o poder da invisibilidade.

Será que é saudável eu ter o acesso que tenho à vida das minhas filhas? Será que devo saber, em tempo real, o estado dos elásticos de cabelo e dos grupinhos delas? Não consigo parar de imaginar o que elas estarão a reprimir.

Quando uma fotografia é demasiado exposta à luz, fica com poucos detalhes, realces e sombras. Quando as crianças são demasiado expostas, será que também não se desenvolvem correctamente? Se calhar, os nossos filhos iriam beneficiar se os deixássemos ser um pouco mais invisíveis.

Em 1791, o filósofo britânico Jeremy Bentham defendeu a construção de um edifício institucional chamado “panóptico”, em que um vigilante pode observar os presos, trabalhadores ou doentes sem que estes saibam se estão a ser observados. A ideia era que, se as pessoas não tiverem a certeza de estarem a ser observadas, vão policiar-se a elas mesmas para cumprir os padrões do vigilante, constantemente.

Será que, com todas estas tecnologias de vigilância, estamos a colocar os nossos filhos num panóptico virtual? Será que nos devemos preocupar com a possibilidade de esta vigilância converter as crianças em objectos, em vez dos sujeitos autónomos que queremos que elas sejam?

A privacidade permite-nos controlar as maneiras e o grau com que deixamos as pessoas entrar nas nossas vidas. Criamos intimidade quando nos revelamos aos outros. Segredos durante festas do pijama e bilhetes nas aulas são uma moeda corrente da amizade, onde se troca privacidade por intimidade.

Se não for controlada, a nossa vigilância cada vez maior ameaça retirar o controlo desta troca das mãos dos nossos filhos, porque eles deixam de poder decidir que informação nós temos sobre as vidas deles. Ao controlar todos os seus movimentos, será que estamos a esquecer-nos de lhes ensinar como filtrar e partilhar informação?

À mesma hora, recebi um e-mail com o assunto “Ensinar as crianças a gerir a sua presença nas redes sociais”, bem como várias notificações de fotografias com as minhas filhas. Os pais deveriam ensinar os filhos a manter uma presença responsável na Internet, mas começamos a publicar imagens e histórias sobre os nossos filhos – sem a autorização deles – muito cedo.

A maioria das ferramentas tecnológicas que as escolas utilizam para transmitir e controlar o comportamento dos alunos têm amplas protecções de privacidade. Confio profundamente no critério dos professores. Também nunca dei o meu consentimento para as fotografias constrangedoras que habitam na parede da sala da minha mãe. No entanto, sinto-me pouco à vontade com a impassibilidade das minhas filhas enquanto os professores tiram e publicam fotografias. Sei que isto vai continuar à medida que os amigos, colegas de quarto e namorados tiram e publicam fotografias no futuro.

É inútil discutir se estas tecnologias deveriam existir ou não; elas estão integradas na nossa cultura educativa e são valorizadas por muita gente. Não vão desaparecer.

A questão maior é saber o que os pais podem fazer para se defenderem de ter filhos ansiosos sem capacidade de filtrar as suas vidas. Para começar, podemos decidir dar-lhes espaços onde não procuramos ter – nem por acidente – uma janela para o mundo deles, nem uma forma de vigiar as suas vidas. Os pais têm de garantir que estão a dar aos filhos níveis de privacidade apropriados à idade e transmitir-lhes qual é a informação a que estão a aceder.

PÚBLICO/The Washington Post

Elizabeth Small é advogada, escritora freelance e mãe que vive em West Hartford, Connecticut. Encontre-a em @ElizabethAnnHowardSmall.