Eddie Alvarez/The Washington Post

Comunicação

As adolescentes só podem ler sobre lip gloss e dietas?

A última coisa que as pessoas esperam de uma revista para adolescentes são artigos substanciais.

Em Dezembro, um texto de opinião online, com o título “Donald Trump está a incendiar a América” apareceu na revista Teen Vogue. Em poucas horas, esta dura crítica ao então presidente-eleito explodiu na Internet, rebentou o debate nas secções de comentários e trolls com avatares anónimos atacaram a editora de fim-de-semana da revista, Lauren Duca, no Twitter.

Mas o que causou polémica não foi apenas o tema do artigo; foi a natureza da revista onde foi publicada. O que é que um artigo político estava a fazer numa revista para adolescentes?

Quando Duca apareceu num talk-show da Fox News para falar sobre o seu artigo e as reacções ao mesmo, o apresentador Tucker Carlson advertiu-a para que se “cingisse a botas de cano alto”. Este comentário – e a polémica – não perturbaram Duca. Já tinha ouvido isto antes.

“Sem dúvida que por vezes há um modo de condescendência furtiva,” disse a editora à revista Mother Jones, sobre as reacções ao artigo. “Outras versões do comentário de Tucker Carlson foram: “A última publicação dela foi sobre a maquilhagem da Selena Gomez”.” Mas, segundo Duca, “é possível gostar das duas coisas”.

Sim, é possível gostar de maquilhagem e de política, de moda e de feminismo. E, no entanto, a última coisa que as pessoas esperam de uma revista para adolescentes são artigos substanciais ou opiniões sobre os temas da ordem do dia. As revistas para adolescentes devem ser sobre roupa, glamour, empregos de Verão e conselhos sentimentais, certo? Errado.

O artigo de Duca – a que a editora Elaine Welteroth chamou “um momento de viragem” na história da Teen Vogue – não foi o início de uma mudança sísmica no panorama das revistas para adolescentes, foi o culminar de uma mudança.

O diálogo intenso que a Teen Vogue inspirou é a polémica mais recente em décadas de história de revistas adolescentes que desafiam os limites, abordam temas sérios e expandem o seu público para lá das adolescentes.

Os leitores devotos lembram-se da Sassy, da Jane e de outras revistas que publicavam reportagens sobre política, feminismo, identidade e muito mais – ao lado de reportagens de moda – na década de 1990 e inícios da década de 2000.

Casey Lewis, co-fundadora da Clover Letter, uma newsletter destinada a raparigas adolescentes, escreveu para a Teen Vogue na década de 2010 e pensa que o actual furor sobre a revista é um pouco desconcertante. Ela recorda a extinta revista Teen People, publicada pela Time Inc., que explorava a política e notícias do mundo de forma bastante semelhante ao que a Teen Vogue faz actualmente.

“A Teen People fazia reportagens bastante sérias sobre a imigração e a sida” no início dos anos 2000, conta Lewis. “É de loucos. As revistas para adolescentes têm uma longa história de fazer a cobertura destes temas para as adolescentes e agora há muitos adultos a dizer, 'Oh, temos de levar estas revistas a sério'.”

Os historiadores das revistas para adolescentes – ou seja, as pessoas que de facto liam e assinavam estas publicações – tinham todos uma revista preferida. Para Tavi Gevinson, a Sassy foi responsável por inspirar o seu sucesso online Rookie (agora também um podcast da MTV News) e a fundadora da Sassy, Jane Pratt, veio a lançar uma série de marcas de sucesso para adolescentes, incluindo a sua homónima Jane.

A editora e escritora Brandon Holley liderava a Elle Girl quando a Hearst começava a entrar no negócio das revistas para adolescentes, em 2001. Recorda-se da reacção quando a Elle Girl publicou uma reportagem de capa com o título “A palavra F – és feminista?”

“As pessoas disseram, 'Oh - feminismo'”, lembra, acrescentando que acha “estranho” que, 17 anos depois, “ainda estejamos a ter a esta conversa”.

Desde aqueles primeiros dias de capas com a palavra F, Holley viu o panorama das revistas para adolescentes evoluir e desafiar os limites do que era considerado aceitável para as leitoras adolescentes. Na Jane, onde trabalhou entre 2005 e 2007, publicou reportagens sobre terapia de conversão de homossexuais, ensaios sobre trabalho e dinheiro e até uma reportagem de várias páginas de fotografias de nus, submetidas por leitoras, chamada “O Guia da Jane sobre mamas”.

Por volta daquela altura, a revista para adolescentes que já sobrevivia há mais tempo – a Seventeen – estava a passar por transformações radicais, lideradas pela editora Atoosa Rubenstein.

No início dos anos 2000, Rubenstein lançou uma secção sobre religião, pela primeira vez na história da revista. Enquanto a concorrência se focava em perfis de celebridades e sessões fotográficas sobre beleza, ela lutou para incluir uma nova secção chamada Inner Girl (Rapariga Interior).

“A Inner Girl era sobre a nossa relação connosco mesmas, com o nosso diálogo interno e auto-estima”, diz Rubenstein. “E quando falamos em auto-estima, a sugestão é que esta é baixa.” Ela via a nova secção como “alimento para alma”.

Ainda antes, em 1998, quando estava na CosmoGirl, Rubenstein tinha lançado uma série sobre política chamada Cosmo 2024, referindo-se ao ano em que uma das leitoras mais velhas da revista poderia, teoricamente, ser eleita a primeira Presidente do sexo feminino.

Rubenstein e a futura editora da Seventeen, Ann Shoket, entrevistaram líderes como Madeleine Albright, Barbara Walters e, sim, Donald Trump sobre os seus percursos de sucesso profissional. O último volume, uma colecção de conselhos e ensaios sobre o sucesso e a construção de carreiras, correspondia à promessa presente no lema da CosmoGirl: “Nascida para liderar”.

Mas a CosmoGirl fechou em 2008, à medida que revistas de todos os géneros atravessavam dificuldades para chegar onde os adolescentes estavam – a Internet. Enquanto continuam a fechar cada vez mais revistas outrora icónicas – mais recentemente, a Condé Nast anunciou que a Self ia parar completamente a publicação – a Teen Vogue adoptou o seu público online.

A revista estreou-se em 2003, tendo como alvo “um público de jovens sofisticadas que querem ver moda”, de acordo com a editora da altura, Amy Astley. Mas rapidamente se deparou com alguns obstáculos: controvérsias com reportagens de moda que recorriam ao Photoshop, falta de diversidade nas modelos e nas pessoas entrevistadas – e um número cada vez menor de subscritores. Os leitores recebiam números cada vez mais finos na caixa do correio. Em breve, a direcção apercebeu-se que só as reportagens sobre moda não iriam sustentar a marca durante mais tempo do que as suas concorrentes recentemente encerradas, como a CosmoGirl e a TeenPeople.

Em vez de fechar completamente a revista, a Condé Nast virou-se para talentos digitais como Welteroth e o director digital da Teen Vogue, Phillip Picardi, para renovar o site da revista.

Picardi descreveu a sua visão na sua primeira entrevista para a posição de director digital com a editora da Vogue, Anna Wintour: mais notícias, concentrando-se em reportagens que podiam expandir o alcance da teenvogue.com para lá das adolescentes.

De facto, entre Abril de 2015 e Março de 2017 o tráfego do teenvogue.com aumentou 226%, afirma um porta-voz da Condé Nast. Em Março, a política é a secção mais popular do site. Mesmo antes de o texto de Duca se tornar viral, nunca tantas pessoas tinham visitado a página para ler histórias que estavam fora do género estereotipado das revistas para adolescentes.

Entretanto, a edição impressa deixou de ser mensal. Em vez disso, é uma “revista trimestral”, que ainda contém anúncios glamorosos e amostras de perfume, mas num tamanho mais pequeno, que cabe na palma da mão. As manchetes da edição de Dezembro – “Raparigas Inteligentes! Manifestem-se!” ou “Com Zendaya e Michelle Obama” – evocam o lema “nascida para liderar” da CosmoGirl.

Portanto, quando Holley reflecte sobre o tempo que passou nas revistas adolescentes e sobre a história destas, da Elle Girl à Jane e agora à Teen Vogue, pensa em Fiona, uma amiga do seu filho de 8 anos. Fiona gosta de lip gloss mas também é capaz de surfar de costas. Na Marcha das Mulheres de Washington, em Janeiro de 2017, Fiona levou o seu cartaz de protesto.

As raparigas como Fiona não precisam de uma revista qualquer, diz Holley. Precisam de um guia sobre ser mulher que não faça sermões nem seja condescendente mas que, em vez disso, eduque e estimule – e, mas importante do que tudo, que reflicta as raparigas que a lêem.

As revistas para adolescentes de hoje em dia “apresentam às raparigas um feminismo que não queima sutiãs, o que também é bom”, diz ela. “Podemos ser femininas e feministas.”

PÚBLICO/The Washington Post